Tenho grande admiração por quem resolve problemas, sem medo de sujar as mãos. Quando os vejo trabalhar, estou atento aos seus gestos na espectativa de um dia precisar deles para solucionar os pequenos desafios que o dia a dia me põe. Tento respeitar a norma de que só abre um relógio quem tem a certeza de o saber fechar, mas as coisas que me parecem de solução simples, fogem a essa inibição e, não raro, meto-me por caminhos sombrios de roçadoura na mão, a fazer cimento ou a tentar resolver uma fuga de água. Também tenho um gosto especial em prolongar a vida às coisas, principalmente quando a nova alma fica adequada aos novos tempos, mantendo a memória do que já foram e, quando compro novo, o mais comum é deixá-lo à vista uns dias (às vezes semanas), para que me habitue à sua presença, antes de o começar a usar.
Ora foi com este espírito que, no ano de 1998, iniciei a limpeza do terreno da Casa do Cabo. Podia ter chamado uma empresa para o fazer. Podia, mas não era a mesma coisa! É como com os automóveis, quem lhes dá o primeiro banho sou eu.Enquanto aguardava as licenças e se planeava a arquitectura do lugar, aproveitava os poucos tempos livres para limpar a propriedade.
O destino deu-me por ajuda o sr. Catarino. Um alentejano bondoso, calmo, ex-carpinteiro de carroças e ex-mineiro, com solução para todos os problemas que iam aparecendo, chovesse ou fizesse sol.
Comprei corta-arames, alicates, roçadoura, enxadas, sacho, alvião, picareta, foices, gadanhas, forquilha, ancinho, motosserra, machado, fósforos, acendalhas e, metro a metro, fomos roçando o mato, abatendo os eucaliptos e pinheiros para deixar espaço aos carvalhos e castanheiros que lá haviam crescido. Retiraram-se os arames e puseram-se as pedras sobre os muros, enquanto se limpavam os caminhos confrontantes e, quando, a nascente, as botas se enfiaram num lamaçal escondido num monte de silvas e heras, e se descobriu a Fonte Nova, limpou-se o caminho, a mina e o largo, para se entender que havia uma taça onde se dividiam as águas, para consumo da Casa do Cabo e para os tanques que se lhe seguem. O primeiro para o gado beber, o segundo para lavagem de roupa, indo as sobrantes para um tanque dentro dos muros da propriedade.
Perguntei a história da Fonte Nova e concluí que ela também fora fonte de conflitos, noutros tempos. As lavadeiras nem sempre usavam só o tanque de baixo e os animais não bebiam se a água estivesse conspurcada. Um outro atrito teria sido despertado por um dos donos da Casa do Cabo, ao construir uma campânula sobre a taça inicial onde as águas se dividem, com a intenção de evitar que os animais lá pusessem as patas. A “coisa” não terá caído bem a um “freguês” que, a coberto de uma noite de trovoada, a desmoronou à marretada.
Com este historial, e dias depois de alguém ter escrito em cima da bica com letras vermelhas – FONTE NOVA - PUBLICA - J.F., decidi escrever uma carta ao Presidente da Junta da época, pedindo autorização para encanar as águas sobrantes para dentro da propriedade, de modo a se poder andar por ali com os pés secos e, futuramente, usar essa água (que se infiltrava no caminho) para regar o jardim que planeava construir. Para minha surpresa a Fonte Nova que estivera ao abandono mais de 14 anos, foi levada à Assembleia da Junta de Freguesia, alegando-se que eu tinha intenção de me apoderar da fonte.
Avisado, fui assistir à reunião, onde, para meu espanto, no meio de uma linguagem povoada de excelentíssimos e excelências, o presidente não lera a carta que lhe enviara e alimentou uma discussão sem pés nem cabeça, com uns paisanos que se encontravam na assistência. Saí a meio. Falei com o meu advogado, que me disse: “Os direitos não se pedem. Exercem-se!” e reconstruí o antigo caminho da água, desactivando a divisão que ia para o alambique e para consumo da casa, por desnecessária.
Ao fim de alguns meses de trabalho nos fins de semana disponíveis, consegui ver o que se tinha comprado e havia condição para o levantamento topográfico.
Topografia era com o meu pai, engenheiro de minas reformado, na altura com 80 anos, cheios de genica e capacidades, que durante a actividade profissional, levantara quilómetros de Alentejo e Serra de Arga, na prospecção mineira. Podia ter recorrido a uma empresa. Podia, mas não era a mesma coisa! Levantou-se o terreno e a casa e entregou-se o projecto ao arquitecto Noé Dinis.
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