Passara a adolescência e os anos de ouro em Joanesburgo, num éden de nuvens e deleites, mas pouco mais sabia que juntar as letras, as coisas da higiene e de Deus, que lhe dera um palmo de cara, um casamento e 2 filhos.
O marido, esgotado do lar, por lá ficou entregue “aos negócios e às amantes”, depois de a ter devolvido à Europa com a pensão que a mantinha. Do filho sabia que se entretinha por áfricas e era a filha com telefonemas semanais que dava sentido às suas memórias.
Ao longo dos anos incompatibilizara-se com a família e caira na rotina do básico, sem interesses e sem curiosidade. Uma ajudante fazia-lhe, nas manhãs, o trabalho da casa. Saía para as compras, para o médico e para a missa, que um preceito antigo lhe impunha cuidar das roupas, do corpo e das poucas ideias.
A diabetes enchia-lhe as horas com medicamentos, refeições e conversas de circunstância nas salas de espera dos consultórios onde chegava com grande antecedência, para ver, ser vista e, num acaso, suspirar angústia.
Elegera o médico como ouvinte para as queixas do corpo e do estar, onde pontuavam “o marido”, “as amantes” e "a África branca" e, quando este uma vez lhe propôs uma qualquer actividade, respondeu-lhe estonteada de surpresa:
-“Nem pensar! Dr.! Eu nunca trabalhei! Não vai ser agora que vou começar!”
E saíu altiva para tratar a vida à força de comprimidos.
Um dia, soube da vinda do "marido" a Portugal e, num repente, acordou com vinte anos. Sorriu, arranjou-se e ficou à espera do telefonema de arrependimento, que tanto almejava.
Os dias foram-se alongando com a repetição dos gestos inúteis, enquanto confabulava o reencontro amigo que a afastaria daquela vida murcha.
Por fim o tempo parou na sala do telefone encolhendo as refeições, os medicamentos e as noites. Saíu pela última vez para perguntar ao médico se devia parar os comprimidos para “esquecer o marido” e voltou com reforço de pastilhas.
Por fim o tempo parou na sala do telefone encolhendo as refeições, os medicamentos e as noites. Saíu pela última vez para perguntar ao médico se devia parar os comprimidos para “esquecer o marido” e voltou com reforço de pastilhas.
Mais tarde soube que ele tinha regressado a Joanesburgo. Nesse dia fechou a casa e aguardou os suores do desfalecimento libertador.
Na manhã seguinte encontraram-na fria, vergada pela vida que nunca entendera.
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