“Não deixemos que a verdade estrague uma boa história”.
Esta contaram-me há mais de 20 anos, e à força de a repetir, foi-se afeiçoando às minhas necessidades.
O cenário é Odivelas/Alentejo em meados do Século XIX, no tempo em que as distâncias se mediam pelo passo dos muares.
Em eleições, o candidato junta o povo no largo da aldeia. São poucos e agrupam-se em círculos críticos para ouvir palavras em que descrêem, enquanto murmuram a dureza da vida e o desterro da aldeia.
Entendem-no a tracejado, e só a pergunta final atirada para o seu meio, os faz mudar de pé e levantar a cabeça. “O que é que vocês querem para a aldeia, que eu, se for eleito…?”
Depois, um intervalo, um engolir de saliva, e uma voz de mulher cansada de carregar água à bilha, a assomar a medo numa ponta: “Queremos uma fontiii!”
“Uma ponte?”, diz o candidato, a dar resposta à ideia que já levava. “É isso mesmo. Se eu for eleito, a Câmara faz aqui uma ponte!”, e no meio dos aplausos dos correligionários, assume-se a obra.
O Gaitinha ainda questionou para o lado: “Uma pontiii? mas p’ra qué ca gentii quer uma pontiii, sa gentiii, nem rio teim?”, mas o Chicharo, que já via as suas mulas a carregar pedra para a obra, sobrepôs-lhe: “Faça-se a pontiii, c'o rio logo aparéciii!”
A obra fez-se, e no dia da inauguração, após os foguetes e para memória futura, ouviram-se os versos:
Graças a Deus já tem
Odivelas sua pontiii
E uma estalagem defrontiii
P'ra quem de carrêra
Lá for pernoitari
Sem p’rigo de se afogari
Na “ribêra”
Marcada de quina a quina
Toda fêta de pedra fina
E “marmii
Sê mestre que a fez
Capitão d’engenharia
Do seu ofício porcebia
A valerii
E se houver algum penetrante
Que também quêra falari
É tempo de se achegari
E diga.
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