quarta-feira, 8 de setembro de 2010

A Moto 4


- Oh Dr.! Ela tem um feitio terrível. Sempre fez o que queria. Mesmo agora com oitenta e cinco anos ninguém tem mão nela! Vive numa quintinha lá para os lados de Valença, com a ajuda de uma surda-muda, que “só lá vai quando lhe apetece” e que só a atura, porque não a ouve!
Muita sorte teve ela no acidente, em só partir umas costelas e não ter morto ninguém. Diz que levava capacete, que ia devagar, e que a rapariga do carro contra quem chocou não sofreu nada.
- E há quanto tempo é que ela andava de Moto 4?
- Tinha-a comprado há dois dias, depois de ter vendido um desses carros que não necessitam de carta, a que chamam “os mata-velhos”. Parece que estava tudo legal.
O filho, que vive na América, esteve cá ontem e completou a história. Ela, ainda jovem foi servir para Lisboa e por lá casou aos 25 anos. Mas o casamento não correu bem. Aos 40 anos divorciou-se e, anos depois, emigrou com o filho para Clermont-Ferrant. Foi aí que ela aprendeu a andar de moto. Só lá estiveram 4 anos, porque voltaram a emigrar para os Estados Unidos, onde continuaram a morar juntos, sempre com uma relação difícil por causa da sua autonomia. Aos sessenta e cinco anos, decidiu voltar sozinha, para viver numa quintinha de uma cunhada, que está internada num Lar, lá nos States.
Agora está tudo a monte, mas houve tempo em que ela a teve cuidada, embora nunca fizesse grandes obras. Foi até num desses arranjos, que caiu do telhado e fracturou a perna direita. Parece que estava a pôr umas pedras em cima de umas telhas que tinham voado com o vento.
- E agora? Vai voltar para casa, ou o filho leva-a para a América?
- Não sei! Para já vai para uma Unidade de Convalescença, e entretanto vê-se qual o grau de autonomia que consegue e a disponibilidade do filho. Agora que gastou todo o dinheiro na moto, parece mais convencida das suas limitações, e que aquele tempo em “não havia nada que eu não fizesse” já passou.

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