terça-feira, 4 de junho de 2013

A Julinha e o Cansado


A Julinha, chefe da Secretaria no Hospital Velho, era uma "disciplinadora". Tinha um gosto particular em alimentar com papéis os inúmeros dossiers por que era responsável, como se cada um fosse um ser vivo a necessitar de novas folhas para crescer. Criara uma teia burocrática tão eficiente que, até os mais avisados, contribuíam para elevar as suas endorfinas. Estava ali para aplicar as soluções já definidas e sentia que tinha por missão educar os funcionários.

Na altura, a Secretaria era uma sala rectangular, dividida por um balcão em L, com dois guichets contíguos no canto, para o Atendimento. Em cima deles dois letreiros de grandes letras informavam, num “Tesouraria” e no outro “Secretaria”. O horário era ESCRUPOLOSAMENTE cumprido. -"Sr. Dr.! Abrimos às onze e fechamos ao meio-dia!", e, quem chegasse fora desta hora, ou se entretinha a observar o ponteiro dos segundos a sobrepor-se ao dos minutos até às onze ou teria de vir no dia seguinte, se não fosse sexta-feira.

Um dia, o Dr. Coelho Cansado, foi à Secretaria para regularizar um esquecimento de assinar o Livro de Ponto. Não havia ninguém a aguardar. A Julinha debruçava-se sobre uma resma de papéis no guichet "Tesouraria". Cumprimentou-a:  
- "Dona Júlia, eu vinha aqui porque não assinei o Ponto!", disse então, na esperança de uma fácil solução, por ignorar a importância que pode ser atribuída a um sarrabisco colocado a tempo e horas numa folha de papel, e aguardou o seu olhar por cima dos óculos.
- "Sr. Dr.! Trata-se então de um problema de presença!”, confirmou com ar de poucos amigos, decidida a não deixar qualquer i sem o respectivo ponto.
De seguida levantou-se, disse “Um momento!”, contornou a esquina que a separava do outro guichet, onde estava escrito “Secretaria”, abriu o vidro, voltou a sentar-se e continuou:
"-Sr. Dr.! ... Agora ... Faz favor de dizer!"


O Dr. Cansado, que já era torcido, aprendeu o que lhe faltava. Desde então, não se envolve em nada. Anda pelos mínimos e cumpre religiosamente o registo da assiduidade. Se sai às cinco, às cinco menos vinte, começa os preparativos. Se está com um doente, informa-o: - "A sua consulta acabou, porque eu tenho de ir despir a bata e demoro cinco minutos a descer as escadas até ao lugar onde tenho de pôr o dedo!"

2 comentários:

Anónimo disse...

Quando era pequenino, tinha a mania de andar aos ninhos...acontece que um dia vi um buraco na parede e pareceu-me que era um ninho de carriça, vai daí que lá meti o dedo e de seguida sofri uma mordedura de um sardão...andei 15 dias com uma bruta infecção no dedo, sofri até não mais...e desde então, não consigo meter o dedo, seja em que buraco for!!!! Como faço para ser dispensado de meter o dedo na dita máquina?????Isto está a deixar-me muito ansioso!!!!!

capitão disse...

Dada a gravidade do seu problema que roça o patológico, sugiro que lute o mais que puder para responsabilizar as chefias pela qualidade e volume de trabalho do grupo que dirigem.
Nos locais onde trabalhei, sempre me apercebi de quem cumpre e de quem não cumpre, sem necessitar de qualquer controle biométrico.