segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Carta ao Papa Francisco


Caro Francisco
Escrevo-te para te dar umas dicas para essa tarefa ciclópica que tens pela frente. A coisa está feia para o Ocidente e, por tabela, para ti que tens milhões de crentes à espera de um caminho nesta confusão em que a globalização transformou o mundo.
Para já tens a ONU à perna perguntar quais as medidas que o Vaticano tomou e vai tomar para resolver o problema da Pedofilia. Se não cuidas da qualidade do que se processa nas igrejas, qualquer dia, tens outros a fazer perguntas ainda mais difíceis.

Eu sei que a minha ajuda pouco vale mas, como a sugeriste há uns meses, não quero ficar de fora.

Primeiro e antes de tudo, tens de pedir o concurso de Deus, porque sem ele nada feito, mas olha que sem uma boa dúzia de bons amigos, que não te traiam à primeira dificuldade, racionalizando que tu tens mau feitio quando não cederes em coisas essenciais, não vais a lado nenhum. Falo por experiência.

Em segundo lugar, não esqueças que, embora a História deva ser lida “à época dos factos”, há factos que estão tão contra a doutrina cristã, que se torna difícil ignorá-los. Reforçar o desacordo com os fanatismos católicos das Cruzadas, da Inquisição, do fechar de olhos à escravatura e aos crimes da colonização de África e das Américas, é postura a que não deves fugir. Aconselho-te também a abrir, sem mais delongas, os dossiers do Vaticano sobre a Pedofilia e a entregar as provas aos tribunais e, de seguida, acabavas com o celibato dos clérigos e com o puritanismo sexual, alegando que a Igreja só tem de ajudar quem anda desconfortável no meio dos outros e se quer acertar.

Por fim, tens de dar, num conceito simples que toda a gente apreenda, uma linha de rumo para este barco em que o Ocidente se meteu e que te dá direito de antena.

Ouve um conselho: simplifica.
Nos tempos que se aproximam, se não se construírem comunidades fortes, vamos assistir ao progressivo desmembramento das famílias, à solidão dos velhos e à voracidade das multinacionais e de poderes pouco claros, a definirem todos os nossos "objectivos".
Tira Cristo da cruz e apresenta-o em convívio. Associa os teus padres às Juntas de Freguesia e altera o culto de modo a que se promova a responsabilidade do grupo, em contracorrente ao que se tem propalado - responsabilizar cada um pela salvação da SUA alma (a do vizinho que se lixe).

Sem pressas e com atitude, devias clarificar coisas pequenas, com significado. Olha, por exemplo, mandas uma missiva para que se acabe com o ar beatífico com que a maioria dos padres fala nas igrejas, e põe-nos a falar como gente normal, sem "ssss" sibilados, olhos em branco voltados para o céu, nem trejeitos a fingir que estão a meio caminho entre os mortais e Deus. Já todos "pagámos para esse peditório". A maioria já sabe ler e tem acesso à Internet. Não precisa que lhe falem como crianças.
Vivemos tempos difíceis. Pais para um lado e filhos para outro. Gente emigrada e funcionalidades sempre a alterar-se. Um Governo "a mando". Expectativas frustradas.
Vai-se à missa e ouve-se falar dos filisteus, dos cananeus e de coisas que se passaram na Palestina e na Turquia de há 2.000 anos, e palavras redondas para fazer esquecer os aflitos das suas aflições.
Cristo não andou a dizer a ninguém para passar mal. Ele lutou pela dignidade de todos. Sem armas, nem discriminações. Se ele viesse cá abaixo ia ficar desiludido com as homilias que ninguém percebe, e com a qualidade dos rituais que, os poucos que ainda se dizem católicos, se disponibilizam a ouvir.

Vai por mim, que eu, apesar de ateu, acho que Deus ajuda imenso a humanidade, pois considero que “o fazer as coisas certas por razões erradas” é fundamental para mantermos boas práticas e coesão social. Todas as religiões o fazem e nós em casa, também. “-Oh mãe! Porque é que eu tenho de comer sopa? É para ficares com os olhos bonitos!”. Os muçulmanos não comem carne de porco nem consomem bebidas alcoólicas, porque Alá não queria que eles tivessem cisticercose, nem que fossem alcoólicos. Alá quer higiene, e todo o islão lava as mãos e os pés mais vezes que muitos médicos em serviço.

Há que nos acertarmos com a evolução das sociedades, sob risco de ficarmos marginalizados. Em muitos locais até parece que o clero anda a dizer que “está tudo bem, porque nada mudou” a um povo que o sustenta como um senhor feudal.

Bem! A carta vai longa. Muito havia ainda para te dizer. Para já fica com estas dicas. Olha que, com o pouco que conheço de religiões, é com o Cristianismo que mais me identifico e espero com alguma expectativa as tuas mudanças.
Se tiveres tempo, escreve, ou telefona, que eu dou uns toques de espanhol!

Até à próxima.
Fernando

3 comentários:

JARRA disse...

A tua epistolografia já dava um livro. E é só ilustres ...
Gostava de ler umas cartas a gente comum, que suspeito exista!
Os que vêm as novelas e bigbrothers diários... os intelectuais que agora ocuparam os canais televisivos para nos elucidar sobre futebol ... os que votam nestes sociopatas que nos governam ...
Abraço

Unknown disse...

Sempre em alta...e com um discurso sui generis... Às. Vezes difícil de lá chegar...

capitão disse...

Sandrine:
Obrigado pelas palavras de ânimo! São raras. por estes lados.