sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Aplicações de Telemóvel



- Dr.! Está um “verde” na Sala de Espera, a aguardar Medicina, que está muito ansioso. É melhor ver o que se passa. Já começou a disparatar e eu temo que vá causar mais confusão do que aquela que já temos, se não for atendido rapidamente.
- Há três laranjas em lista de espera para Medicina Interna, mas mande lá entrar o homem, não vá haver razões para tanto nervoso!
Olho para o écran e procuro um “verde”. É uma transferência. Já foi observado pela Triagem Geral. Registou-se à uma da madrugada, e foi encaminhado para Medicina pouco antes das oito, depois de ter efectuado análises.

A Triagem de Manchester tem destas coisas. Se estiverem a entrar “vermelhos” ou “laranjas” com regularidade, os tempos de espera dos doentes a quem foram atribuídas outras cores começam a ser ultrapassados, e como os “verdes” são “pouco urgentes”, são frequentemente entendidos como “azuis” - “nada urgentes” e só são observados quando já não há outras prioridades.

São nove horas, quando o chamo.
Entra um jovem na casa dos 20 anos. Cabelo rapado dos lados e um tufo no cocuruto. Camisa branca desabotoada a partir do meio, manga dobrada, jeans que deixam ver os tornozelos, sapatos de matar a barata no canto em couro castanho claro e uma pequena sacola a tiracolo de sarja amarela.
- Faz favor de se sentar! O que se passa?
Recusa sentar-se de imediato, para se queixar do tempo de espera. É brasileiro e está em Portugal há uma semana. Veio ao Serviço de Urgência porque teve uma relação com um parceiro HIV-positivo e, no final, rompeu o preservativo. Está zangado, porque ainda não foi medicado e sabe que há uma janela temporal para que esse tratamento possa ser eficaz, em caso de contágio.

- Já percebi o seu problema, mas entenda que, durante a noite, há funcionalidades que se perdem num Serviço de Urgência e, no seu caso concreto, a eficácia da profilaxia pós-exposição mantém-se durante 72h. Por isso, temos tempo para avaliar correctamente a situação, antes de iniciar qualquer atitude.
Já mais calmo, o homem senta-se.
- Então vamos lá ver. O senhor disse que o seu parceiro era VIH-positivo!?
- Sim! Foi ele que o disse, quando rompeu o preservativo. Eu antes não o sabia. Se eu o soubesse não me tinha metido com ele!
- E como é que ele se chama?, pergunto na esperança de conseguir ver no S.Clínico alguma informação sobre o estadio da doença e da carga vírica do parceiro.
- Não sei!, responde. – Sei só que se chama Manuel! Mais nada!, e depois virando para mim o écran do smartphone. – Também posso lhe mostrar a cara! É este!
- Oh! Homem! Vire isso para lá, não vá eu até reconhecê-lo! Mas o senhor mete-se numa aventura destas e não sabe o nome dele?
- Não! Eu pus três aplicações no telefone e apareceu ele! Só sei o primeiro nome e sei a cara dele! Quando ele disse que o preservativo rompeu, fiquei em pânico e fui à Farmácia pedir o tratamento. E sabe o que o farmacêutico me deu??? ... Sabe!? … A pílula do dia seguinte, para não engravidar! … Você acredita!!!!, e gesticulava virando as palmas das mãos e os olhos para o céu. - Deus do Céu!! A pílula! Eu sou HOMEM! Santo Deus!, e repetia os gestos, incrédulo, para depois se recostar na cadeira, simulando exaustão.
- Tenha calma, que o farmacêutico não deve ter percebido que você estava numa relação homossexual e talvez tivesse entendido que estava preocupado com o risco de a gravidez indesejada de uma sua parceira!, respondo, para amenizar uma eventual provocação, e continuo. - Vou pedir ao laboratório para completar as suas análises e marcar-lhe uma Consulta para daqui a um mês. Quanto ao tratamento, vai ter que aguardar mais um pouco porque temos de o pedir à Farmácia do Hospital. Espere um pouco naquela salinha, ali ao fundo, que quando estiver tudo pronto, vou ter consigo! OK!

….

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