terça-feira, 17 de maio de 2011

Trabalhos










- E porque vem à Urgência, dona Conceição?
- Fui à Clínica fazer um electrocardiograma que o meu médico pediu. Lá disseram que o meu coração não estava bem e chamaram uma ambulância. Eu até estranhei porque não notei nada de diferente!
- Nem assim um cansaço maior? O que é que a senhora faz?
- Sr. Dr.! Eu mato-me de trabalho. Para nada! Só para manter os campos cuidados!

Confirmo. É solteira e vive só com uma vaca e as galinhas. Cuida dos campos que herdou dos pais que morreram há mais de quinze anos. Tem uma irmã, três anos mais velha, a quem foi recentemente diagnosticado um cancro da mama. Da sua casa ainda vê ao longe o telhado dela. Mas não a ajuda. Está tudo por sua conta, o vinho, o milho para os animais, a horta e o pomar.
- Ainda a semana passada andei a sachar nos dois terrenos que temos mais para baixo!
- Temos? Estranho-lhe o tempo do verbo.
- Desculpe, Dr! Ficou-me este jeito de falar de quando tinha os meus pais comigo. Eu não ponho herbicida. Sacho. Mas cada vez me custa mais tratar daquilo tudo. Quando tinha o meu irmão que faleceu no passado mês de Fevereiro, ainda lhe mandava para o Dafundo algumas das novidades que produzia. Arrumava tudo fresquinho dentro de sacos de plástico, punha no correio Expresso e chegavam a casa dele no dia seguinte. Uma vez foi devolvido vinte e três dias depois, porque em vez de “Vilmaro Ribeiro”, o carteiro leu “Vivenda Ribeiro”. Mas a direcção estava lá toda certa, que eu escrevo muito explicado. Agora nem sei para que podo, ato e trato de tudo.
- E também faz vinho?
- Sim, Dr.! Mas ninguém o quer. Da última vez deitei o velho fora para meter lá o novo.
- E a vaca e as galinhas para que é que quer tantas?
- Nem sei! Sempre tivemos animais. Agora só tenho esta vaquinha. Teve a última cria há 3 anos e ainda me dá um pouco de leite. É muito mansinha mas não me obedece. Antes como trabalhavam, eram mais humildes. Esta está sempre no quinteiro. Tem água corrente, uma corte grande e mato macio. Há um tempo soltei-a, que ela rapa muito bem a erva, mas foge-me e eu já não tenho força para ir atrás dela! O ano passado meteu-se no meio do milho e foi a custo que a apanhei. Pus-lhe farinha numa tigela e ela foi-se aproximando. Também temos mais de trinta galinhas e patos.
- Temos? Dona Conceição?
- Oh Dr.! É este jeito, desculpa-se de novo. - As galinhas agora estão a pôr muito e eu não sei o que fazer aos ovos. Não mos compram. Na mercearia têm de ser de aviário e na aldeia, à única que não tem galinhas, dão-lhos. Na minha freguesia, está assim!, e como a lembrar-se de uma solução, questiona: - Dr., quantos ovos é que eu posso comer? No outro dia comi quatro!
- Dona Conceição, os seus sessenta e sete anos já não lhe dão saúde para esses trabalhos. A senhora tem uma reforma de trezentos e vinte e dois euros, mais algum no banco da herança e do tempo em que ainda se fazia algum dinheiro com a agricultura. Venda metade dos campos e entretenha-se por perto da casa sem esses encargos todos.
- Pois é! Tenho que “abreviar”! Só de me lembrar dos trabalhos em que o meu pai andou para comprar estes terrenos que a gente arrendava ...

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