domingo, 24 de fevereiro de 2008

Não há palavras


Os Sofistas (Grécia, século V - A.C.) ensinavam a usar a palavra para persuadir os outros na utilidade de uma acção.
Agora discute-se na rua e dá-se voz à ignorância.
Doem-me as entrevistas sem vocabulário ou ideias e o “Não há palavras!”, porque falta vocabulário para exprimir um sentimento mais intenso.

O Dicionário OGDEN's Basic English contém as 850 palavras necessárias para falar o inglês básico e o Oxford English Dictionary contém 616.500.

O português médio têm vocabulário escasso e na sua casa tem poucos livros de referência como Dicionários, Livros de História e outros, que permitam numa consulta rápida para resolver as dúvidas do dia a dia. O grosso do seu conhecimento é obtido por audição e, se não conhece uma certa palavra, tende a substituí-la por outra que conhece e que mais se lhe assemelha.

Os médicos, mas não só, têm vasta experiência deste fenómeno pois a sua linguagem técnica é muito usada pela população. Taquicardia pode ser ouvida como ataque cardíaco, clister opaco como clister ao papo, mal triada como mal criada, fumador inveterado por fumador invertebrado etc.…, para além dos múltiplos erros na escrita e na fonética (almorródias, basílica, o pence, ...).

Mas o maior problema é desconhecer o significado das palavras que usa.


Na casa da minha avó, havia uma empregada, que à força de ouvir termos que desconhecia, lhes foi aprendendo o som, e num dia em que o gato se atirou aos rissóis de bacalhau que tinha acabado de fritar, entre vários impropérios disse, peremptória:

-“Sape gato, infalivelmente, nunca vi gato mais exterior!”

3 comentários:

Alexandre Gouveia disse...

Caro amigo, não resisto em publicar aqui esta breve desventura linguística relacionada com a sua mensagem.

Um abraço, Alexandre G.


"Situações que são o espelho da confusão semântica e de vocabulário que tantas vezes existe nas cabeças dos nossos utentes ...

6h da manhã.

O Sol já aparecia distinto sobre o azul celeste. Em torno da porta do Centro de Saúde, um pequeno grupo de utentes organizava-se para a marcação da consulta "à vaga". A maioria já se conhece. Afinal todos são já bem experimentados nesta forma bem própria de utilização da consulta.

Aliás, o Director do Centro de Saúde até mandou instalar uns banquinhos de jardim no local, para tornar a espera mais atractiva. É uma excelente oportunidade para trocar experiências e conhecimentos, que todos vão acumulando ao longo do seu percurso de contactos com os médicos e hospitais.
A Maria do Céu vai à consulta do "Parlamento", a Dona Gertrudes vai à consulta da "Monopausa" e a Rita é que as corrige informando-as que aquela consulta chama-se de Planeamento Familiar. Uma tem um "biombo" no "úbero" e leva os resultados duma "fotografia", outra está preocupada com comichões na "serventia" do marido, atéporque ele, havia poucos dias, tinha já sido consultadopelo médico por estar com os "alforges" todos inflamados.
Alguém logo ali diagnosticou um problema na "aprosta"do marido.
Mais à distância desta conversa, um grupo de senhoras falavam dos métodos contraceptivos e, uma delas, peremptória, afirmava que nunca aceitaria porem-lhe
uma "fateixa" dentro da barriga! Uma outra discordava, e lá lhe foi dizendo que por causa disso é que teve tantos filhos, felizmente todos de parto normal, só o último foi de "açoreana", mas aquele que lhe dava mais problemas era o mais velho que já era "toxico-correspondente"!
Noutro local, um grupo de homens mais idoso ia falando da relação entre o "castrol" e a "atenção".
Às tantas um deles começa a explicação cuidada dum acidente que tivera. Por isso é que tinha a vacina contra o "tecto" em dia, mas o acidente estragou-lhe a "tibiotísica" e causou-lhe uma hérnia "fiscal", pelo que tinha ido fazeruma "fotocópia" e um "traque".
Outro referiu que nunca teve problemas de ossos, o seu problema era uma grande "espirrogueira na peitogueira".

Uma senhora, atraída pela conversa, queixava-se de entupimento no "curso" com dores "alucinantes" quando se "abaixava".
Além disso cobria-se de suores e "gómitos", ficava "almariada" e tudo acabava com uma forte "encacheca",ficando cerca de 3 dias com cara de "caveira misteriosa".
Alguém lhe falou nuns supositórios que a poderiam ajudar mas ela já os conhecia, aparentemente tinham sido muito difíceis de engolir, pelo que o melhor ainda era o "clistério".
Finalmente, uma outra senhora queixava-se da "úrsula" no "estambo", pelo que vinha mostrar o resultado duma "endocuspia" e ainda algumas análises especiais, como a Proteína C Reaccionária.

8h30mn da manhã.

Ainda havia muito para conversar mas a jovem funcionária administrativa do Centro de Saúde, obviamente tarefeira, acaba de chegar.
Os funcionários administrativos não podem chegar atrasados, caso contrário, confundir-se-iam com os doutores.
- Quem é o primeiro, se faz favor? Ora diga lá o seu nome?
- Josefina Trindade.
- Idade?
- 67 anos.
- Estado . . .?
- Constipada, muito constipada!

9h da manhã.

Aparece a enfermeira que grita para a pequena multidão barulhenta:

- Quem está para medir as tensões? É você?Então entre e diga-me qual é o seu problema?
- Sabe, senhora enfermeira, o meu problema é ter uma doença "arrendatária" que "arrendei" do meu pai e já me levou uma vez aos cuidados "utensílios" do hospital. Afecta-me as "cruzes renais" e por isso dá-me muita "humidade à volta do coração". Aliás, o doutor pediu-me uma "pilografia" e um "aerograma" que aqui trago e recomendou-me beber pouca água.

Finalmente, chega o médico, que logo dá início às consultas:

- Então de que se queixa?
- De uma angina de peito, senhor doutor. Tudo começou há uma semana quando fui às urgências. O médico disse-me que era uma angina na garganta,
mas a angina começou a descer e agora apanha-me o peito todo!

Aos poucos, os utentes iam entrando e saindo, com melhor ou pior cara. Alguns perguntavam à Inês onde era o "pechiché da retrosaria" para pagarem a taxa moderadora.

O senhor Batista foi dos utentes que saiu mais zangado da consulta. Permaneceu estoicamente na fila desde as 5h30m da manhã e, agora, o médico
tinha-lhe dito que o seu atestado para carta de condução era com outro: o Delegado de Saúde.
Finalmente é chamado pelo Delegado de Saúde para o exame do atestado:
-Sr. Batista, faça-me o favor de pôr o dedo no nariz.Não, senhor Batista, não é no meu, é no seu nariz!

O utente estava muito nervoso e depois do primeiro falhanço achou por bem enterrar o dedo profundamente nas fossas nasais!

O Delegado de Saúde desiste: - Muito bem, senhor Batista! Fica com a carta com as mesmas restrições anteriores.

O Sr. Batista saiu radiante - tinha, pelo menos, mais 2 anos de carta para conduzir - e ao passar pelos outros utentes que ainda esperavam, avisou:
- Espero que estejam constipados, porque só passa quem tiver uns bons macacos para tirar do nariz."

Anónimo disse...

A propósito deste post, que me pareceu francamente interessante, apetece-me dar uma no cravo e outra na ferradura!Deixo os dois lados do que me parece ser uma mesma moeda.

Desculpem-me lá qualquer coisinha. Não é uma crítica. É uma "graça".



1º lado ou o que os pobres médicos têm que tentar decifrar, e passo a citar o que me veio parar ao e-mail há uns tempos. Eliminei, por delicadeza, alguns palavrões.

"Carlos Barreira da Costa , médico Otorrinolaringologista da mui nobre
e Invicta cidade do Porto, decidiu compilar no seu livro "A Medicina
na Voz do Povo", com o inestimável contributo de muitos colegas de
profissão, trinta anos de histórias, crenças e dizeres ouvidos durante
o exercício desta peculiar forma de apostolado que é a prática da
medicina. E dele não resisti a extrair verdadeiras jóias deste tão
pouco conhecido léxico que decidi compartilhar convosco.

O diálogo com um paciente com patologia da boca, olhos, ouvidos, nariz e garganta é sempre um desafio para o clínico:

"A minha expectoração é limpa, assim branquinha, parece com sua
licença espermatozóides".
"Quando me assoo dou um traque pelo ouvido, e enquanto não puxar pelo corpo, suar, ou o #######, o nariz não se destapa".
"Não sei se isto que tenho no ouvido é cera ou caruncho".
"Isto deu-me de ter metido a cabeça no frigorífico. Um mês depois fui ao Hospital e disseram-me que tinha bolhas de ar no ouvido".
"Ouço mal, vejo mal, tenho a mente descaída".
"Fui ao Ftalmologista, meteu-me uns parafusinhos nos olhos a ver se as lágrimas saíam".
"Tenho a língua cheia de Áfricas".
"Gostava que as papilas gustativas se manifestassem a meu favor".
"O dente arrecolhia pus e na altura em que arrecolhia às imidulas infeccionava-as".
"A garganta traqueia-me, dá-me aqueles estalinhos e depois fica melhor".

As perturbações da fala impacientam o doente:

"Na voz sinto aquilo tudo embuzinado".
"Não tenho dores, a voz é que está muito fosforenta".
"Tenho humidade gordurosa nas cordas vocais".
"O meu pai morreu de tísica na laringe".

Os "problemas da cabeça" são muito frequentes:

"Há dias fiz um exame ao capacete no Hospital de S. João".
"Andei num Neurologista que disse que parti o penedo, o rochedo ou lá
o que é...".
"Fui a um desses médicos que não consultam a gente, só falam pra nós".
"Vem-me muitos palpites ruins, assim de baixo para cima...".
"A minha cabecinha começa assim a ferver e fico com ela húmida, assim
aos tombos, a trabalhar".
"Ou caiu da burra ou foi um ataque cardeal".

Os aparelhos genital e urinário são objecto de queixas sui generis:

"Venho aqui mostrar a parreca".
"A minha pardalona está a mudar de cor".
"Às vezes prega-se-me umas comichões nas barbatanas".
"Tenho esta comichão na perseguida porque o meu marido tem uma
infecção na ponta da natureza".
"Fazem aqui o Papa Micau (Papanicolau)?"
"Quantos filhos teve?" - pergunta o médico. "Para a retrete foram
quatro, senhor doutor, e à pia baptismal levei três".
"Apareceu-me uma ferida, não sei se de infecção se de uma ##### mal dada".
"Tenho de ser operado ao stick. Já fui operado aos estículos".

"O Médico mandou-me lavar a montadeira logo de manhã".

As dores da coluna e do aparelho muscular e esquelético são difíceis
de suportar:

"Metade das minhas doenças é desfalsificação dos ossos e intendência
para a tensão alta".
"O pouco cálcio que tenho acumula-se na fractura".
"Já tenho os ossos desclassificados".
"Alem das itroses tenho classificação ossal".
"O meu reumatismo é climático".
"É uma dor insepulcrável".
"Tenho artroses remodeladas e de densidade forte".
"Estou desconfiado que tenho uma hérnia de escala".

O português bebe e fuma muito e desculpa-se com frequência:

"Tomo um vinho que não me assobe à cabeça".
"Eu abuso um pouco da água do Luso".
"Não era ébrio nato mas abusava um pouco do álcool"
"Fujo dos antibióticos por causa do estômago. Prefiro remédios
caseiros, a aguardente queimada faz-me muito bem".
"Eu sou um fumador invertebrado".

O aparelho digestivo origina sempre muitas queixas:

"Fui operado ao panquecas".
"Tive três úlceras: uma macho, uma fêmea e uma de gastrina".
"Ando com o fígado elevado. Já o tive a 40, mas agora está mais baixo".
"Eu era muito encharcado a essa coisa da azia".
"Senhor Doutor a minha mulher tem umas almorródias que, com a sua
licença, nem dá um peido".
"Tenho pedra na basílica".
"O meu marido está internado porque sangra pela via da frente e pinga pela via de trás".
"Fizeram-me um exame que era uma televisão a trabalhar e eu a comer papa".
"Fiz uma mamografia ao intestino".
"O meu filho foi operado ao pence (apêndice) mas não lhe puseram os
trenos (drenos), encheu o pipo e teve que pôr o soma (sonda)".

Os medicamentos e os seus efeitos prestam-se às maiores confusões:

"Ando a tomar o Esperma Canulado"- Espasmo Canulase
"Tenho cataratas na vista e ando a tomar o Simião" - Sermion
"Andei a tomar umas injecções de Esferovite" - Parenterovit
"Era um antibiótico perlim pim pim mas não me fez nada" - Piprilim
"Agora estou melhor, tomo o Bate Certo" - Betaserc
"Tomo o Sigerom e o Chico Bem" - Stugeron e Gincoben
"Ando a tomar o Castro Leão" - Castilium
"Tomei Sexovir" - Isovir
"Tomo uma cábulas à noite".
"Tomei uns comprimidos "jaunes", assim amarelados".
"Tomo uns comprimidos a modos de umas aboborinhas".
"Receitou-me uns comprimidos que me põem um pouco tonha".
"Estava a ficar com os abéticos no sangue".
"Diz lá no papel que o medicamento podia dar muitas complicações e
alienações".
"Quando acordo mais descaída tomo comprimidos de alta potência e fico
logo melhor".
"Ó Sra. Enfermeira, ele tem o rabo como um véu. O líquido entra e nem actua".
"Na minha opinião sinto-me com melhores sintomas".

O que os doentes pensam do médico:

"Também desculpe, aquela médica não tinha modinhos nenhuns".
"Especialista, médico, mas entendido!".
"Não sou muito afluente de vir aos médicos".
"Quando eu estou mal, os senhores são Deus, mas se me vejo de saúde,
acho-vos uns estapores".
"Gosto do Senhor Doutor! Diz logo o que tem a dizer, não anda a
engasular ninguém".
"Não há melhor doente que eu! Faço tudo o que me mandam, como aquela
coisa de não morrer".

Em relação ao doente o humor deve sempre prevalecer sobre a sisudez e
o distanciamento. Senão atentem neste "clássico":

"Ó Senhor Doutor, e eu posso tomar estes comprimidos com a menstruação?
Ao que o médico responde: "Claro que pode. Mas se os tomar com água é capaz de não ser pior ideia. Pelo menos sabe melhor."

2º lado ou o que os pobres doentes têm que tentar perceber:

Todos, mas mesmo todos, os termos técnicos ligados à vossa profissão, por muito correntes que sejam entre pares, deveriam ser eliminados do diálogo com o doente.

Se o doente (só) é careca, não lhe digam que sofre de alopécia.
Temos mais de 70% de analfabetos funcionais. Gente que, não só não percebe o que lhe é dito numa consulta, como sai dela aterrado.

KISS: "Keep it simple, short"!

capitão disse...

Mas não só os Utentes analfabetos que dão erros. Há Srs. Drs. que chegam ao fim do Curso e são incapazes de escrever sem erros.
Há uns anos (poucos) um deles apresentou-me um texto referente a um doente onde tinha escrito:
- "dor abdominal há esquerda".
Surpreso mostrei-lhe o texto e questionei-o:
-"Há esquerda?"
e a resposta que ouvi foi:
-"Desculpe, desculpe! Era há direita!"