terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Peso Específico














1973
Eu tinha que ganhar dinheiro. Para quê? Ainda agora não sei!

Iniciava o 4º ano de Medicina, quando um amigo me propôs dar aulas de Ciências Naturais e de Geografia a um curso nocturno do 2º ciclo numa Escola Técnica.
Pedi os livros de apoio às aulas, folheei-os e disse para mim:
-“É canja! Eu sei isto tudo. Uma hora antes leio o assunto, vou no carro do meu pai, dou as aulas em 2 dias na semana e venho-me embora em menos de um fósforo!”

Falei com o Director e saí de lá com um horário de 3 dias em vez dos 2 previstos. Mas tudo bem! Estávamos no princípio do ano lectivo e a pressão que sentia depois das férias grandes era mínima.
Fiz as aulas de apresentação, dei as primeiras aulas sem qualquer dificuldade e com o gozo de ver aqueles jovens adultos a seguir as minhas explanações depois do seu dia de trabalho. Falava dos intestinos com o mesmo à-vontade com que enumerava a geopolítica da Índia.

Para o fim do 1º período as deslocações tornaram-se penosos e surgiram os testes de avaliação. Tinha-os desvalorizado e estavam fora do meu esquema, mas fi-los com responsabilidade e respeito para com a Escola e por mim. Vigiei-os e corrigi-os! Um a um. 64 de Ciências e 64 de Geografia! 128 no total!!!! e com perguntas de desenvolvimento!!!!! Julguei que morria!
A maior parte não percebia a pergunta nem era capaz de organizar um texto com sequência. Um desastre! Eu que até aí lhes via atenção no olhar, passei a ver-lhes ausência quando acenavam sim aos meus “Estão a compreender?” e lentamente fui desanimando.
Um dia, num renascido ímpeto, decidi investir o máximo das minhas capacidades lectivas na aula de Ciência Naturais, já que na de Geografia vacilava na Meteorologia.
O tema era o Peso Específico. Expliquei a coisa ao pormenor e no fim perguntei se tinham dúvidas. “Que não!”.
Chamei então ao quadro um rapaz, de cerca de 18 anos, que estava na primeira fila e que tinha acompanhado toda a exposição com movimentos afirmativos.
-“Percebeste?”
-“Sim!”
-“Então, resolve este problema: O peso específico do ferro é 7,86gr/cm3. Quanto pesam 10 cm3 de ferro?”
Por momentos ficou parado a olhar para mim. Depois, face à minha expectativa, pôs a mão no queixo, olhou para o tecto com os olhos semicerrados, balbuciou como quem soma e, ao fim de dezenas intermináveis de segundos respondeu:
- “Bastante!”

Uma semana depois resignei!

1 comentário:

Anónimo disse...

Quando este tipo de coisas acontece cá por casa, temos uma private joke: "as vergonhas que eu passei antes de saber ler e escrever".

Há uns anos atrás, quando me acontecia "disto", e aconteceu várias vezes embora com contornos diferentes, eu achava que tinha sido uma espécie de falhanço rotundo.

Agora acho exactamente o contrário. Permite a correcção da rota e pensar nas coisas com um par de óculos diferentes. Há sempre outros sítios para onde podemos olhar, um sítio onde podemos aplicar o tal do ex-"fracasso".