- O quê?, perguntei incrédulo.
E ele repetiu:
-“Escreva aí: 1 litro de soro subcutâneo, água com Cerinutrina, Ralopar de manhã e Garalone à noite!”
E perante a minha indecisão, insistiu sobre o meu ombro:
-Escreva subcutâneo por extenso, se não, a enfermeira põe endovenoso!”
Foi assim a resposta ao meu pedido de colaboração, naquele Hospital, onde chegara dias antes.
Num lampejo de razão, rolei o papel na sua direcção e, intimidado por aquela figura magra com a solenidade de quem chega para resolver o mundo, disse com voz sumida:
-“É melhor o Dr. assinar, não vá a enfermeira questionar a terapêutica, por não me conhecer a letra!”
E, quando vi as costas do seu grosso sobretudo, perguntei a medo:
-“Isto é sempre assim?”.
-“Não conhece? Parece impossível!”, pasmaram os presentes.
Era um ícone da cidade. Dono de dinheiro e influência, fundamentada em 50 anos de trabalho e prestígio próprio e da família, ali, pelo país e pelo estrangeiro.
Apesar da idade, trabalhava na sua Clínica e no Hospital. Tinha horário indefinido e “por chamada” à Urgência, para ouvir duas frases, pousar as mãos vinosas nos ventres dos doentes e fundamentar as decisões, como quem lê o destino nas vísceras de uma cabra.
Mas, o tempo e algum vício, tinham-lhe roubado as capacidades, e haviam-no transformado num velho temido por imprevisível.
-“Veja no que se mete! Que a sua casa arde por inteiro!”, dizia quem tinha por maior valor a “vidinha”, quando alguém se animava em soluções que lhe impedissem operações ou terapêuticas inusitadas.
Era assim, em 1979, naquele Hospital da Misericórdia com instalações degradadas, recém integrado num SNS que dava os primeiros passos, e onde as carreiras profissionais eram um som muito distante.
Trinta anos é muito tempo? Parecem-me 100 anos!
E ele repetiu:
-“Escreva aí: 1 litro de soro subcutâneo, água com Cerinutrina, Ralopar de manhã e Garalone à noite!”
E perante a minha indecisão, insistiu sobre o meu ombro:
-Escreva subcutâneo por extenso, se não, a enfermeira põe endovenoso!”
Foi assim a resposta ao meu pedido de colaboração, naquele Hospital, onde chegara dias antes.
Num lampejo de razão, rolei o papel na sua direcção e, intimidado por aquela figura magra com a solenidade de quem chega para resolver o mundo, disse com voz sumida:
-“É melhor o Dr. assinar, não vá a enfermeira questionar a terapêutica, por não me conhecer a letra!”
E, quando vi as costas do seu grosso sobretudo, perguntei a medo:
-“Isto é sempre assim?”.
-“Não conhece? Parece impossível!”, pasmaram os presentes.
Era um ícone da cidade. Dono de dinheiro e influência, fundamentada em 50 anos de trabalho e prestígio próprio e da família, ali, pelo país e pelo estrangeiro.
Apesar da idade, trabalhava na sua Clínica e no Hospital. Tinha horário indefinido e “por chamada” à Urgência, para ouvir duas frases, pousar as mãos vinosas nos ventres dos doentes e fundamentar as decisões, como quem lê o destino nas vísceras de uma cabra.
Mas, o tempo e algum vício, tinham-lhe roubado as capacidades, e haviam-no transformado num velho temido por imprevisível.
-“Veja no que se mete! Que a sua casa arde por inteiro!”, dizia quem tinha por maior valor a “vidinha”, quando alguém se animava em soluções que lhe impedissem operações ou terapêuticas inusitadas.
Era assim, em 1979, naquele Hospital da Misericórdia com instalações degradadas, recém integrado num SNS que dava os primeiros passos, e onde as carreiras profissionais eram um som muito distante.
Trinta anos é muito tempo? Parecem-me 100 anos!
4 comentários:
Pensei que esta do "1 litro de soro subcutâneo" só se tinha passado comigo no meu Hospital,há 25 /30 anos.
ivmrj
Caro anónimo ivmrj:
Alguns dias depois deste episódio, também eu punha soros sub-cutâneos.
Naquele Hospital, na Pediatria, um soro subcutâneo, era muito mais seguro que um endovenoso, por não haver risco de uma perfusão rápida e edema agudo do pulmão. É que não havia bombas infusoras e o ritmo da perfusão variava com os movimentos da criança.
Obrigado pelo esclarecimento. Agora compreendo o porquê daquela prática, era uma questão de segurança.
ivmrj
Vila Real 1978: Uma rudeza a raiar a crueldade. Aldeãos atormentados pela natureza. Doutores trabalhados pelo ambiente rural.
Uma tolerância irracional com o destino
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