sábado, 7 de janeiro de 2012

Óbitos



Morrer é tão inevitável como pagar impostos. Mas há que prever o futuro, pois uma morte mal planeada, pode vedar o reino dos céus, dificultar a vida dos nossos ou até dar azo a risos no funeral ou quiçá anos depois.
Longe vai o tempo em que a morte súbita era a mais indesejável, por não permitir fazer as contas com que se evitam os muitos crivos por onde as almas passam para chegar aos Paraísos.

Nos jornais de agora, lê-se na necrologia ou em notícia das figuras públicas que: morreu vítima de doença prolongada, de doença súbita, de acidente de viação, de enfarte, de problemas cardíacos, de um cancro, por Acidente Vascular Cerebral "fulminante", e de vez em quando lá aparece alguém que se finou atropelado, na sequência de complicações pós-operatórias, que se suicidou “ao saltar da varanda” ou por ter sido atingido pela porta da garagem de sua casa, quando se preparava para ir treinar.
Nestes últimos casos esboçamos um sorriso, pela invulgaridade, mas foi o que “constou” e o que vai ficar no imaginário colectivo.

Outro tempo, aqui no burgo, e a julgar pelos Assentos de Óbito de há 200 anos, dos párocos da Igreja das Almas, local de enterramentos da população vianense, outras eram as causas. Neles nem sempre se morre com razão, mas onde ela consta, é definida, as mais das vezes, como: repentinamente, de acidente, apareceu morto, de estupros, de bichas, de lombrigas, de vermes, de bexigas, de uma febre, de hidropisia, de tísica, de parto. Escaldado, afogado, assassinado, esmagado. De decrepitude, de velhice, maligna, de disenteria, de um fluxo de sangue, de estertor, de esgana, de garrotilho, de coqueluche. De gangrena, de obstrução, catarral, de apoplexia, de uma moléstia interior, de um ataque de sangue, de inchaço, interior, de um vómito preto, de sarampelo, de uma solampica. Até de “uma desgraça” se morria.

Mas se estes são registos “leigos”, nem sempre as actuais Certidões de Óbito vão mais longe, por pouco conhecimento do doente/doença, ou pelo pouco interesse científico de quem as passa.
Ocorre-me o dia em que um médico da "velha guarda", surpreendido pela morte de um doente recém-admitido no Serviço de Urgência, decide “certificá-lo” com o diagnóstico de “úlcera gástrica”. Face à improbabilidade de tal mal ser causa de tão súbita morte, alguém mais avisado contesta-o: "Dr. X! Você não tem nada que suporte esse diagnóstico. Só sabe que, à entrada, ele se queixou de “uma dor no estômago”. O melhor é passar a Certidão com “causa indeterminada” e deixar que outros decidam a oportunidade de uma autópsia".
Ao que ele, pouco dado a primores, respondeu, peremptório: “Ainda há pouco, passei uma como causa indeterminada. Agora passava outra!? Hoje, era o dia das indeterminadas!? Vai assim que vai muito bem!"
E foi…

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