sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Também está bem!
























Nem mais. Era assim que ele entendia a coisa. O que era preciso era dar resposta, … qual?, não interessava, desde que fosse … uma resposta. Então no Serviço de Urgência, que ele, nesse dia, chefiava, a sua preocupação era mesmo ... “despachar!”.
Chegava-se aos doentes como que a cheirá-los e, num ápice, decidia o modo de os pôr de ali para fora. A maior parte para a rua, “com alta" e, de vez em quando, quando o pobre mal dava acordo de si, para o internamento, com a sua fórmula mágica para todas as doenças “Ralopar e Noostan”.
Era marginal a sua preocupação em identificar doenças e individualizar soluções, pois todos os “ais” lhe soavam ao mesmo, classificando muitos como “do 5º andar” para, depois de uma lambuzadela, os aviar sumariamente com um qualquer remédio para a Farmácia.
Se tudo estava calmo, escolhia na Triagem fichas de mulheres jovens, para “matar o ócio”. Se a afluência era grande, “despachava” com “terapêutica ao sintoma”. Se sabia da chegada de um doente grave, corria a ver-lhe o aspecto e, se esse não fosse famoso, desinteressava-se e ia, diligentemente, para a secretária passar-lhe a Certidão de Óbito, ... “para ganhar tempo”.
- “Oh, Dr. No! O homem dessa certidão está muito melhor e até fala!”, ter-lhe-ão dito um dia, numa dessas situações. - “Ah, é?”, levantou-se, e rasgou o papel, com o mesmo à vontade com que o iniciara.

Mas adiante, que os muitos anos de má prática “tinham-lhe empedernido o coração e facilitado a ousadia”, e ele só assim fazia, porque aquele limbo de impunidade sempre o permitira.
Nesse dia andara de um lado para o outro, preocupado com a falta de macas. “-Este aqui? É para o Rx?, e este?, é para OBS”, perguntava enquanto empurrava as macas de um lado para o outro. –“E essa aí, Dra.”, virado para uma colega nova que diligentemente procurava esclarecer uma violenta dor cabeça numa mulher que chorava no corredor, - “Essa, … é tudo do 5º andar! É para mandar embora!”, ordenava como um sargento numa parada.
- “Oh, Dr. No! Não é para mandar embora. É para transferir para o Hospital de S. João, para observação por Neurologia, que ela tem sinais de hipertensão intracraneana!”, respondeu-lhe a médica. E ele, sem se desmanchar, a partir para nova asneira:
-“Também está bem!”

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