Pela hora do lanche passava na sala dos médicos a atulhar os bolsos das sobras das merendas - uns pacotes de bolachas, umas peças de fruta, o que houvesse…
Depois, descontraidamente, subia ao Bloco Operatório onde aguardavam em macas os doentes que iriam ser operados nesse dia. Consultava as papeletas e verificava a especialidade cirúrgica. Depois, metia conversa com os traumatizados à espera da intervenção ortopédica:
- “Então amigo, partiu a perna?”
- “Sim Sr. Doutor! Vai ser preciso operar, que os ossos não estão alinhados.”
- “E já está aqui há muito tempo?"
- “Desde manhã. Estou sem comer para a operação.”
- “Oh homem que estupidez! Deve estar cheio de fome, não?”
- “Custa a aguentar, mas tenho de estar 6 horas em jejum…”
- “Valha-me Deus! Quem lhe disso isso?”
- “Foi um enfermeiro, parece-me…”
- “Esses gajos são desumanos! Você, para esse tipo de cirurgia não precisa de jejum!” E magnânimo rematava: - “Pegue lá esta maçã que me sobrou do lanche e coma. Senão ainda me fica na operação …”
- “Tem a certeza que posso?”
- “Absoluta! Sou eu que o vou operar!” E o doente agradecido lá saciava a fome.
E um a um "batia" todos os doentes de Ortopedia em espera cirúrgica, distribuindo caritativamente o seu espólio.
Ao fim da tarde, quando a equipa de Ortopedia contactava o Bloco para iniciar as intervenções, era sempre surpreendida pelo chumbo do Anestesista – todos os doentes tinham quebrado o jejum exigido.
E … como o adiamento para o dia seguinte agradava a todos os presentes, só ao fim de muitos meses se veio a perceber porque é que aquele interno, de barba e olho matreiro, desaparecia da Urgência na hora do lanche.
História de XXX.
Nota para os mais assanhados: - Os factos têm mais de 20 anos e não se passaram no Alto Minho, embora o alegado personagem seja por cá conhecido.
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