“-Este nome será de homem ou de mulher?”, penso, enquanto chamo pelo intercomunicador, e me certifico do motivo de referenciação à consulta: “Teste de HIV positivo”.
Entra um casal. Ele com ar de rufia, ela mais velha, mais escura e mais pequena, num vestido desbotado e uma camisola de lã grossa às riscas.
“- Quem é o doente?”, pergunto para entender de quem são aqueles 45 anos que me surgem na identificação.
“- Sô eu!”, responde ela, com sotaque abrasileirado, de origem incerta.
“- E eu também sou da sua consulta!”, responde ele, com ar de familiaridade.
“- Está bem! Mas hoje a consulta é para ela!” respondo-lhe, enquanto num esforço me lembro de já o ter observado há muitos anos e o saber seguido por outro colega.
Dirijo-me a ela, já ligando a doença de um à positividade do outro.
“- A Sra. sabe porque é que vem a esta consulta!”, pergunto.
“- É purumá dô, aki à frenti ná cóstélá!”, responde, enquanto levanta a camisola e aponta para baixo da mama esquerda.
“- Mas olhe que esta consulta não é por causa disso!”, rectifico.
“- Enton, ... é puki eu tenhum bócádinho di SIDA!?”, diz depois de uma pausa, enquanto se inclina e apoia os cotovelos na borda da secretária.
Dirijo-me agora a ele, que se mantém sentado de perna cruzada, ligeiramente atrás dela, tentando assumir ar de seu protector.
“- Olhe lá, há quanto tempo é que você vive com esta Sra.?”.
“- Há para aí dois anos!”.
“- E você não lhe disse que tinha SIDA?”
“- Como tinha cuidado, achei que não valia a pena!”, responde com a naturalidade de quem fala de frivolidades.
Viro-me agora para ela que se mantém semi-deitada na secretária.
“- E a Sra. não ficou chateada quando lhe disseram o resultado das análises?”
“- Oh! Sinhóra Dótôrá! Ê andu é chátiadá com á dô ki tenhu aki. Issé keu keru sabê! É keu tenho câncer dá máma!”, afirma enquanto lentamente se endireita.
“- Mas foi operada?”, tento esclarecer a credibilidade da afirmação.
“- Não! Puki kandá minha mãi sôbi, fez prómessá à Vigé Mária, e kandeu iá pó Bloco Opératório, já nã tinhá câncer!”
“- Bem, vamos continuar! Na próxima consulta vai tentar trazer um relatório médico para confirmar isso que está a dizer!”
…
“- Por favor, tire o casaco e vá ali à balança pesar-se!”, digo, enquanto lhe aponto o local onde esta se encontra. … Levanta-se e fica parada em frente do pequeno estrado.
“- Suba, e diga-me quanto pesa!”, insisto. ... Sobe muito devagar, e fica a olhar para os pés.
“- Então? A Sra. não consegue ver?”, pergunto de novo, face á demora da resposta.
“- Nã! Nã veju nádá! Nã sê lê! Nã veju nádá!”, diz por fim, a tornar evidente todos os meus porquês.
“- Pesa 89Kg”, diz ele.
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