sexta-feira, 12 de novembro de 2010

O Sr. Vinho


-“Dona Fátima, a Sra. conhece-a?
-“Dr.! Eu só a identifiquei, porque ela veio ter comigo, porque senão eu não a reconhecia. Trabalhámos as duas num restaurante junto ao rio, faz para aí uns vinte anos. Ela era uma rapariga muito bonita e trabalhadeira. Arranjava-se bem e tinha uma conversa delicada. É de uma família de gente honrada. Foi ele que a levou para o vinho. Ele era serralheiro, mas já tinha problemas com o álcool quando se conheceram. Nenhuma das famílias concordou com o casamento. Sei que estiveram muito tempo em Espanha, e que agora vivem num quarto pago pela Segurança Social, mas, como lhe disse, nunca pensei vê-la assim com aquela barriga de água e sem dentes. Eles são da minha idade. Devem andar pelos quarenta anos. Dizem que o filho está preso em Espanha!”
-“Obrigado!”

-“Dona Helena! A Sra. disse-me que o seu marido continua a beber! Do que é que vocês vivem?”
-“As minhas irmãs ajudam-me! A que está na Alemanha, de vez em quando, manda-me cinquenta ou cem Euros, e as que estão cá também me ajudam. Olhe!, foi uma delas que me trouxe ao Hospital! … O GAF arranjou-nos o quarto e dá-nos roupa e a comida de todos os dias.”
-“E o dinheiro para o vinho, de onde vem?”
-“O meu marido anda por aí a pedir. Umas vezes vai para a igreja, outras passa pelo estabelecimento do irmão, e esse dinheiro é para tabaco e para o vinho!”
-“Mas o vinho é caro!” contraponho.
-“Não Sr. Dr.! No Froiz, um pacote de rosé, que é do que ele bebe, custa 59 cêntimos!”, e depois, já a preparar-se para ir embora: -“Ainda ontem ao fim do dia, eu pedi-lhe para ir pôr o lixo cá fora, e ele estava tão toldado, que fui eu que tive de descer!”
-“Ele está lá fora à sua espera. Importa-se de o chamar!?”

-“Sr. é o marido da dona Helena?”
-“Sim!”
-“E você não vê o estado em que ela está por causa do vinho!?. Você quer ficar assim com uma barriga como a dela, a ter que vir ao Hospital tirar líquido, cada quinze dias? Você devia estar a cuidar dela, para ver se a aguenta por aqui um par de anos!”.
-“Mas ela agora não bebe! Eu até já deixei o pacote do vinho em cima da mesa, de propósito, e ela não lhe tocou!”.
-“Mas você, a continuar assim, qualquer dia, está pior que ela! Ainda ontem foi ela que teve de levar o lixo para a rua, que você depois do jantar, nem se mexia!”
-“Como é que sabe?”
-“Foi ela que o disse! Está a ver! Você devia ajudar em coisas como essa, para manter a casa limpa e arrumada!”
-“Mas isso é trabalho da empregada!”
-“Da empregada? Você tem uma empregada?”
-“Não é bem isso! É a senhora que vai lá limpar! …Não é só a mim! … Vai também aos quartos dos outros! … Mas eu ajudo! … Ainda ontem varri as folhas do pátio!”
-“Pense bem! Qualquer dia a Segurança Social não vai conseguir apoiá-lo da mesma maneira que o faz agora, e vocês vão ter dificuldades. Olhe que não faz sentido receber esse apoio e continuar a beber, mesmo comprando o vinho ao preço da água."

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