sábado, 12 de janeiro de 2008

História Capilar

Onde o autor expõe as suas debilidades, na época em que os longos cabelos adiavam as idas aos Barbeiros.


Então havia medos e cuidados que deviam ser considerados pela gente sensata: não comer laranjas à noite, não beber água com melão, não cortar o mijo que faz pedra, não lavar a cabeça durante a menstruação, dar cerveja preta às parturientes para dar mais leite e ... não cortar o cabelo depois de comer.
Este último preceito punha dificuldade especial quanto ao nº de horas. Como na praia antes do banho? - as juvenis 3 horas medidas ao segundo? … um pouco menos sem tanto rigor? … um pouco mais em caso de feijoada com pernil?. Não raras vezes, ia a queimar o prazo que mentalmente tinha estabelecido como correcto para cada situação, mas como o corte capilar só acontecia 3 vezes por ano, não havia um saber de experiência feito que desse garantias. Assim prevalecia o sentimento de que “às primeiras tesouradas logo se vê!!!! e … caso surja a congestão …pedes para parar!.
É necessário lembrar que não havia as mariquices da lavagem de cabelo. Um gajo ia mesmo para cortar o cabelo e quando muito fazer a barba. O que havia era: Cabelo, Barba e Barba e Cabelo e mais nada!
Num desses dias em que ia “à queima” e com maus pressentimentos sentei-me e, depois de ter inspirado fundo umas 4 vezes e me auto-avaliar como em condições, permiti que o homem que me olhava expectante, desse início aos trabalhos.
Às primeiras tesouradas avulsas a medir o volume em só um dos lados, senti a tal sensação tão temida - “a congestão!” e num gesto único, entesei-me, tirei o avental e disse: “Desculpe, mas não me estou a sentir bem! Acho que não vou conseguir cortar o cabelo hoje!” Perguntei quanto era e saí com a promessa de vir amanhã e com a sensação de me ter visto livre de morte certa.
Fiquei a odiar o sítio. Tanto, que durante semanas evitei os cinquenta metros em redor. Qual voltar!?... Nem pensar!!. “Éh Pá, tens de cortar o cabelo!” Eu sei! Mas tenho medo de me sentir mal! Já viste a barraca!” e entre os risos o cabelo atingiu dimensões indesejadas.
Um dia em conversa com um amigo aparece a solução ao pé da porta: “O meu pai corta o cabelo em casa com um barbeiro velhote, já reformado, e se tu quiseres, quando ele lá for cortas a seguir!”.
Melhor não podia ser e no dia destinado, com jejum de 6 horas, lá estava eu confiante, pois se me desse o treco, já não era em público e morrer por morrer que fosse em terreno amigo.
O homem era velho e magro de muitos cigarros e de qualquer doença, com óculos de massa grandes e grossos, mas capaz de me entender, de me borrifar o cabelo com água e de mo mover a força de pente de um lado para outro, cortando as longas pontas que lhe fugiam das dimensões projectadas para a minha cabeça. Zás... aqui … , Puxa para a e frente e zás! ... num golpe de tesoura desaparece-me a metade externa duma sobrancelha…
Como era suposto eu estar a agradecer para além da paga, fiquei com cara de ter chupado limão, a dizer: “Deixe lá!” .
Saí ao estilo do homem e com um look assimétrico que não lançou moda nem invejas.
Desde então, jejuo como antes de comunhão e só vou a Estabelecimentos com Diploma e informações “fidedignas” do feminino. Entro como um cordeiro no Templo de Jerusalém, espero a minha vez, sento-me, tiro os óculos e entrego-me nas mãos do/a artista, já que não vejo peva sem óculos.

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