A expressão "Pateta" parece-me a mais adequada para identificar quem se põe em bicos de pés por ter um saber que considera relevante.
A realidade para eles confina-se ao seu mundo, entendem o muito como bom, desrespeitam as lideranças, vestem-se de sobranceria e quando acossados fogem sempre para a frente.
O meu avô definia-os de um outro modo e dizia-me: "Foge do homem de um só livro!”
1 comentário:
É bonito, sim, este poema.
Este, do Eugénio de Andrade, é mais elaborado, mais racional, mais mental mas não necessariamente menos sentido.
Quando a minha hora chegar, "e eu começar a crescer para o sol", gostava de ter alguém, que como ele, se désse um pouco nas despedidas.
À MEMÓRIA DE RUY BELO
Provavelmente já te encontrarás à vontade
entre os anjos e, com esse sorriso onde a infância
tomava sempre o comboio para as férias grandes,
já terás feito amigos, sem saudades dos dias
onde passaste quase anónimo e leve
como o vento da praia e a rapariga de
*****Cambridge,
que não deu por ti, ou se deu era de Vila do
*****Conde.
A morte, como a sede, sempre te foi próxima,
sempre a vi a teu lado, em cada encontro nosso
ela aí estava, um pouco distraída, é certo,
mas estava, como estava o mar e a alegria
ou a chuva nos versos da tua juventude.
Só não esperava tão cedo vê-la assim, na quarta
página de um jornal trazido pelo vento,
nesse agosto de Caldelas, no calor do meio-dia,
jornal onde em primeira página também vinha
a promoção de um militar a general,
ou talvez dois, ou três, ou quatro, já não sei:
isto de militares custa a distingui-los,
feitos em forma, como os galos de Barcelos,
igualmente bravos, igualmente inúteis,
passeando de cu melancólico pelas ruas
a saudade e a sífilis do império,
e tão inimigos todos daquela festa
que em ti, em mim, e nas dunas principia.
Consola-me ao menos a ideia de te haverem
deixado em paz na morte; ninguém na
*****assembleia
da república fingiu que te lera os versos,
ninguém, cheio de piedade por si próprio,
propôs funerais nacionais ou, a título póstumo,
te quis fazer visconde, cavaleiro, comendador,
qualquer coisa assim para estrumar os campos.
Eles não deram por ti, e a culpa é tua,
foste sempre discreto (até mesmo na morte),
não mandaste à merda o país, nem nenhum
*****ministro,
não chateaste ninguém, nem sequer a tua
*****lavadeira,
e foste a enterrar numa aldeia que não sei
onde fica, mas seja onde for será a tua.
Agrada-me que tudo assim fosse, e agora
que começaste a fazer corpo com a terra
a única evidência é crescer para o sol.
(Eugénio de Andrade)
1978
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