Das origens insuspeitas de um famoso monumento.
Ai que caso comovente
É este que eu vou dizer.
Já fez chorar muita gente
Muita mais há-de fazer.
E digo sinceramente,
Como vós já ides ver,
Que quem for muito doente
Até nem o deve ler.
Estava um carro cinzento
No escuro de um pinhal,
E o que se passava dentro
Não era nada de mal.
Os cobardes delatores
Irão talvez sugerir
As indecências maiores
Intentando denegrir
A pureza dos amores
A que me estou a referir.
Mas insisto em repetir
E vincar a todo o momento
Que mal nenhum se passava
Entre o par que se encontrava
No veículo cinzento.
Na escuridão velada
Soavam juras de amor.
Ela modesta criada
Ele humilde vendedor.
Afeição meiga e singela
Unia os seus corações.
Ele nutria por ela
As mais puras intenções.
Aqui repito de novo
E em cada momento insisto
Pois deveras me comovo
Cada vez que penso nisto.
Nada de mal era feito
Dentro do carro em questão.
Amor com tanto respeito
Jamais houve até então!
Mas bem sabeis que não se ama
Logo após a refeição
De repente surge o drama,
Sobrevém a congestão!
Com os olhos revirados,
O triste cai de joelhos
Agonizando aos bocados
Sobre os estofos vermelhos.
E a ingénua Maria
Ao senti-lo a estremecer,
Julgou que o pobre atingia
O auge do seu prazer.
E simulando um gozo imenso
Murmurou-lhe num gemido
“Ai filho, dá-me o teu lenço,
Para não sujar o vestido!”
De uma fúnebre oração
Como esta não me lembro,
Arquejada com paixão
A dezoito de Setembro.
E assim morreu de amor
Um chamado Alípio Cunha.
-Agora aqui a depor
Fala uma testemunha,
O senhor Manuel Carneiro
Residente na Amadora
Que estava atrás de um pinheiro
Já há cerca de uma hora.
-“Eu quero aqui afirmar,
Antes de mais, realmente,
Que não estava a espreitar.
Passeava normalmente,
Apeteceu-me urinar,
E olhando casualmente,
Vi o carro a baloiçar
E pensei rapidamente
- Oh Manel vai ajudar,
Pode estar alguém doente
E ser preciso chamar
Um médico, urgentemente!
E pego, vou encontrar…”
Chega a altura de atalhar
O longo depoimento
E insisto em realçar
Nada haver a censurar
Dentro do carro cinzento
E já agora, também digo
Que esse jovem em questão
Era muito meu amigo
Era quase meu irmão;
E que é mesmo verdadeiro
Que mal nenhum existia
E parto a cara ao primeiro
Que pense mal da Maria!
A bela história de amor
Veio em todos os Jornais
De Francelos aos Urais
Não se viveu outra dor
E o modesto vendedor
Teve exéquias nacionais.
E em memória (ao que se diz)
Deste caso tão cruel,
Foi construída em Paris
A famosa Torre Eiffel!
Assinava - j.a.
Está na minha mão desde 1971
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