quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Amorosa




As obras afectam-me sempre. Agora não tenho telefone no gabinete. Por um lado até é bom, por me interromperem menos, mas vou ter de sair sempre que precisar dele, e este corredor, a fazer de sala de espera, não ajuda nada. O que vale é que não é por muito tempo!

Já fiz a maior parte da consulta e, para que não houvesse atrasos, pouco escrevi, mas agora, que só faltam três, vou actualizar os diários. Uma das que está lá fora chegou já tão fora do horário que me vieram perguntar se ainda a podiam registar. Para ser franca, até contava que não viesse, já que são mais as vezes que falta do que as que vem.
Enquanto escrevo, ouço a voz ríspida da auxiliar a chamar a atenção de alguém: - A Sra. não pode entrar por onde quer! Primeiro tem de pedir!, e logo a seguir sinto a porta a abrir para dar passagem a uma cabeça.
É ela! Levanto os olhos e digo-lhe calmamente: - Vai ter de esperar cinco minutos, que eu chamo-a já!, e volto aos processos, mas nova agitação no corredor, apressa-me a ir à porta chamá-la.

Está de cócoras virada para a parede a introduzir o carregador do telemóvel numa das tomadas. Sente-me e levanta-se, enquanto o retira, e se insurge virada para mim, em gestos largos: - Eu quero ver quem é que me paga estas horas de trabalho que estou aqui a perder? Sim, eu tenho de ganhar a vida! Eu tenho que ir para a Amorosa e ainda perco a camioneta! Quem é que me paga a camioneta? És tu? E as horas? És tu? É que aqui, eu estou a perder horas de trabalho!
Parece-me que não está capaz de raciocinar. Chamo-a para o gabinete, ofereço-lhe a cadeira, e, para pôr alguma ordem digo-lhe:
-Ora vamos lá ver. Para começar a Sra. não me vai tratar por tu. Está bem?
Ela olha-me, e sem alterar o ar, responde: - E a Sra. não me vai tratar por “senhora”...!

Pausa! ... A mantermos este registo, vai ser doloroso para as duas. O melhor é aceitar uma negociação, e para baixar os níveis de adrenalina, proponho-lhe: - E ... dona Aurora … pode ser?
-Pode!, condescende, mas de imediato volta à carga. – E esta consulta não pode ser à terça?
-Não! Respondo. – Esta consulta é à segunda-feira há muito tempo, e não vai mudar!
-É que a mim convinha-me à terça, que nós à terça não temos autorização para ir para a rua! E mais, Sra. Dra! Disseram-me que eu, com esta doença, posso ter a reforma!
-Não, dona Aurora. Isso foi há muitos anos. Agora as coisas estão diferentes e só tem direito a reforma quem está muito doente!
-Ainda por cima, com a doença que tenho, ando para aí a passar a doença aos outros!
Depois pára, olha para a porta que deixou semi-aberta, levanta-se para a fechar e na volta diz, em surdina, que me quer falar de um pequeno segredo. Disponibilizo-me.
-Sabe? …. Eu sou homossexual! Ando com outra mulher! Mas não na rua. Tenho uma companheira em minha casa, e queria saber como é que hei-de fazer com ela e ela comigo, para ela não ficar doente!

Sou apanhada de surpresa. Para ganhar algum tempo, pergunto:
-Há quanto tempo vivem juntas?
-Há menos de dois meses!
-Primeiro ela tem de fazer os testes! afirmo, para a ouvir dizer, peremptória, que a outra não tem “nada”.
E para pôr um ponto final no assunto, digo:
- Agora não faz nada! Primeiro vamos ver as suas análises, melhorar essas maleitas que a afligem e depois vê-se! Se não se importa, arregace a manga para vermos as tensões …
... ... ... ... ...

2 comentários:

JARRA disse...

Que se poderia esperar de uma terra que tem nome de bar de alterne?
A maior densidade nacional de Hiv!

L.F.P disse...

BEM HAJA DRA, PELA SUA PACIÊNCIA E DEDICAÇÃO.
SEM MAIS COMENTÁRIOS!
L.F.P