quarta-feira, 6 de abril de 2011

Histórias do meu pai

Nas nossas Universidades, a par com professores competentes, que se mantêm ao corrente dos progressos nas matérias que ensinam, sempre houve docentes que se acomodam ao conforto e à impunidade das cátedras a que ascenderam, sem se preocuparem em transmitir conhecimentos actualizados, realmente úteis aos futuros licenciados.
No início da década de 40 do passado século, havia um professor de avançada idade que, tendo sido nomeado Director da Faculdade de Engenharia, não se dispensara de reger a cadeira de Teoria Geral e Descrição de Máquinas, que era comum a todos os ramos da Engenharia.
Antes do início das aulas teóricas, enchia o quadro preto com os tópicos da matéria que iria debitar, e como não eram marcadas faltas e havia “sebentas” de anos anteriores com reprodução fiel do que constava dessas aulas, a assistência era muito reduzida.
Depois de se terem observado os seus exames finais, chegou-se à conclusão de que o seu leque de perguntas era muito reduzido, pelo que se generalizou a ideia de que para ser aprovado, bastaria estudar o que constasse de um “disco” que era passado entre os alunos. Quem não soubesse responder às perguntas desse “disco”, estava irremediavelmente reprovado. Uma pergunta do “disco” era a descrição da “caldeira de retorno de chama”, que, já nessa data, só alguns barcos usavam. E reprovou um desgraçado, que não acertou com a localização da porta da referida caldeira, depois de ter desenhado todos os seus componentes e de ter dado todas as explicações, só porque: “Quem não sabe isto, não passa!”.
Outra das perguntas era: “Quais as tendências modernas na construção das caldeiras?” … e isto numa época em que o uso de caldeiras para produção de energia estava em acentuado declínio, dando lugar aos motores Diesel e de explosão. Todavia, ele parecia ignorar o facto, pois sobre eles nem uma palavra dizia.
Os alunos que tinham conhecimento do “disco”, sabiam o modo como ele gostava das respostas, mas os que só tinham estudado pelas “sebentas”, reproduziam o que delas constava, e começavam dizendo:
"As tendências modernas na construção das caldeiras são 14!"
Aí, ele irritava-se e reagia:
"Não sei se são 14, se são mais ou se são menos! Diga lá quais são!"
E o inferiorizado examinando, num esforço de memória, desatava a mencioná-las uma a uma, de acordo com a “sebenta”. Quando chegava a vez de dizer: “O uso de carvão pulverizado!”, o Patrão corrigia: “Ou não!”, como se uma tendência pudesse coexistir com a sua contrária! e, ... se a memória traísse o infeliz, na descrição total das “tendências”, o velho professor, desencostava-se e de dedo em riste lembrava-lhe:
"Falta uma!"

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