sexta-feira, 22 de abril de 2011

O Subsídio


- Faz favor de se sentarem!
- Antes de mais, Sr. Dr., quero agradecer ter antecipado a consulta da minha filha para hoje. De facto, como ela estuda Design Gráfico nas Caldas da Rainha, tinha de faltar às aulas, sem contar com o incómodo das deslocações a meio da semana!
- De nada! Mas do modo como a sua familiar, que é aqui enfermeira, me falou, deixou-me pouca possibilidade de recusar. Mas então qual é o problema!
- Dr.! Ela sofre da rinite alérgica. Andou anos na consulta de Pediatria, chegou a fazer vacinas e melhorou. Ocasionalmente ainda tem crises de falta de ar, como a última, há uns quatro meses, em que teve de ir às urgências depois de uma constipação. Agora toma todos os dias Aerius, um spray para o nariz e o Singulair e anda bem. ... Mas a principal razão desta consulta é a declaração para o subsídio!
- Bem! Assim à primeira vista, a sua filha, parece saudável, mas deixe-me observá-la, não vá aparecer qualquer surpresa.
… minutos depois concluo:
- Desculpe, minha senhora, mas eu não lhe passo esse documento, porque a sua filha, apesar de ter uma rinite alérgica e uma asma intermitente, é uma pessoa saudável e com normal capacidade de esforço!

E pronto! ... A partir daqui esmorecem os sorrisos, e inicia-se a via dolorosa para a fazer entender que esse subsídio, que lhe foi dado por múliplos médicos, é um abuso. Não entende, e responde-me como se eu não tivesse dito nada:
- Dr.! Ela sempre teve subsídio! Só agora, por o médico dela se ter reformado e já não ser aceite na Pediatria, é que ficou sem ter quem lho passasse.
- Lamento, minha senhora! Mas isto não tem nada de pessoal. Recuso pôr uma cruz num quadrado, onde identifico um doente como “deficiente”, por ter uma alergia desta gravidade, só para dar direito a um subsídio aos pais com crianças deficientes a seu cargo.
- O Dr. podia passar. Não lhe custava nada!
- De facto não custava. Quem iria pagar era o Estado, e não faria diferente do que a maior parte dos alergologistas fez, e não sei se ainda faz. Mas não é esse o meu entendimento.
- Dr.! Desculpe insistir, mas nós já contamos com esse dinheiro para o plano do mês!
- É definitivo. Não passo! E digo-lhe mais. Sempre que recebo algum doente que vem da Pediatria é quase obrigatória uma conversa deste teor, independentemente da capacidade financeira das famílias.
- O Dr. não passa, mas eu sei que há médicos que passam, que um vizinho meu, recebe!
- Então pergunte-lhe quem foi o médico que passou esse documento, vá ao seu consultório e peça-lho! Aqui tem a receita e a marcação para Agosto, para não faltar às aulas.

1 comentário:

da silva disse...

Verdadinha e cirurgiona promovida por via baixa.Embora se fosse de joelhos a posição preferente, por ser mais canónica