sábado, 14 de abril de 2012

Victor Hugo



O turismo rural, tem destas coisas. A casa está posta, há fogão, frigorífico, televisão, e tudo o resto de uma habitação vivida.
Abrem-se as portas, dá-se uma volta para identificar o espaço e passam-se os olhos pelas prateleiras. Há DVDs e livros, que por uma razão ou outra, os donos disponibilizam, mais algum ali deixado, por turista ocasional, habitualmente em língua estrangeira.
Com estadia curta, olho para os fininhos, já que o que levo, não quero deixar por troca. Pego nele, e calculo três horas de leitura.
Este livro inclui duas novelas de Victor Hugo: “O último dia de um condenado” (1829), e “Claude Gueux” (1834). São histórias que acabam na guilhotina. A primeira na forma de um monólogo interior, das suas últimas semanas. Na segunda, Victor Hugo faz de advogado de defesa, para questionar o sistema educacional e social francês da época e a pena de morte.

O que me tocou: a descrição do jubilo da multidão perante uma execução no “O último dia de um condenado”, e o parágrafo que transcrevo de “Claude Gueux”:
Na prisão onde Claude Gueux estava detido, havia um director das oficinas, espécie de funcionário próprio das prisões, que tem conjuntamente de carcereiro e de negociante, que faz ao mesmo tempo uma encomenda ao operário e uma ameaça ao prisioneiro, que põe a ferramenta nas mãos e as correntes nos pés. Aquele era uma variedade da espécie, um homem seco, tirânico, fiel às suas ideias, bom companheiro, bom príncipe, jovial mesmo e troçando com graça; mais duro que firme; não discorrendo com ninguém, nem mesmo consigo próprio; bom pai, bom marido sem dúvida, o que é dever e não virtude; numa palavra, não era verdadeiramente cruel, apenas mau. Era um destes homens que não têm nada de vibrante nem de elástico, que são compostos de moléculas inertes, que não ressoam ao choque de nenhuma ideia, ao contacto de nenhum sentimento, que têm cóleras geladas, ódios melancólicos, ímpetos sem emoção, que acendem sem aquecer, cuja capacidade calórica é nula, e que dir-se-ia feitos de madeira; deitam chama por uma ponta e são frios na outra. A linha principal, a linha diagonal do carácter deste homem, era a tenacidade. Orgulhava-se de ser tenaz, e comparava-se a Napoleão. Trata-se apenas de uma ilusão de óptica. Há muitas pessoas que se deixam enganar facilmente com isso e que, a certa distância, tomam a tenacidade por vontade, e uma candeia por uma estrela. Daí que este homem, quando ajustava o que ele chamava a sua vontade a uma coisa absurda, ia de cabeça sempre em frente, na mira da coisa absurda. A teimosia sem inteligência é a tolice na ponta da estupidez e servindo-lhe de acréscimo. Isto leva longe. Em geral, quando uma catástrofe privada ou pública se abate sobre nós, se examinarmos, a partir dos escombros que jazem por terra, de que maneira é que ela se arquitectou, encontramo-la quase sempre cegamente construída por um homem medíocre e obstinado, que tinha fé em si mesmo e que se admirava a si mesmo. Há por esse mundo muitas destas fatalidades teimosas que se julgam providências.

Sem comentários: