segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Registos



De repente, as compras da mercearia passaram a ter registo digital. Já poucos trazem um papel para anotar um afazer ou uma qualquer particularidade de que se queiram lembrar. Estamos na época do digital, e quem “é”, saca do “smartphone” e digita.

Nas instituições os computadores são reis. É lá que estão os Protocolos e as Normas, com espaços para preenchimento obrigatório, sem o que não se pode passar para a página seguinte, numa sucessão de sim - não, e de muito - pouco - nada para definir em gavetas a nossa vida. E, quando a complexidade não encaixa nesses campos, sentimo-nos na obrigação de nos formatarmos para que possamos continuar o preenchimento.

O melhor modo de definir uma imagem é desenhá-la, pois no desenho acrescentamos a nossa interpretação, o que não é possível na fotografia. De igual modo um pequeno texto define com mais exactidão uma situação, que um conjunto de páginas digitais com pormenores, pois o “filtro” do autor é um benefício para quem vier a seguir.
Claro que é necessário saber desenhar e escrever, mas é para isso que servem as Escolas.

Só se não acreditamos nas capacidades de quem regista, é que lhe pomos à frente um protocolo, dispondo-nos para abdicar do característico das situações.
Ficamos mais esclarecidos com a meia duzia de palavras com que Miguel Torga definiu uma aldeia perdida em Trás-os-Montes, do início do século XX, in "A Ressurreição" - Contos da Montanha:

"Não há em toda a montanha terra tão desgraçada e tão negra como Saudel. Aquilo nem são casas, nem lá mora gente. São tocas com bichos lá dentro.
Apesar disso, Cristo Nosso Senhor, aos domingos, digna-se visitar a aldeia na pessoa do padre Unhão, que vem rezar missa ao nascer do sol."
...
que com dados sobre o rendimento médio, o nº de assoalhadas por habitação, actividades económicas, ... dessa mesma população.

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