sábado, 11 de julho de 2009

Conversa de Sábado


Ouço-o e sintonizo-lhe a mágoa e a angústia que o levaram àquelas difíceis decisões.
Fala de 1964 como se fosse hoje, com a minúcia dos minutos e das respostas quando questionou o inquestionável – a Igreja.


O Seminário dera-lhe corpo a uma vocação onde a solidariedade era a alma. Por opção, foi padre numa paróquia dos arredores de uma grande cidade e ao discurso juntou a prática e organizou vontades. Fora dos poderes instituídos, promoveu a construção de habitações para os pobres e, numa atitude dissonante, recusou o pagamento dos rituais.
Foi rotulado de comunista, com as respectivas consequências.

Aos 30 anos decide ingressar na Universidade. Pergunta "se 15 anos de Seminário lhe dão equivalência a curso superior", e espanta-se por o equipararem ao 2º ano do Liceu.
Em 2 anos, termina o 7º ano (actual 12º) para concorrer a Medicina. “Que não pode! Onde é que se viu um padre médico? Há incompatibilidades!”. Rebusca na legislação canónica e encontra uma alínea que o poderá permitir – a anuência do Ordinário do lugar (o Bispo). Confronta-o, já em plena crise de valores, e obtém o seu acordo, mas a polícia política está já no seu caminho. Resigna e foge para Paris.

Aí dorme nas saídas de ar do Metropolitano, e trabalha ilegal a descarregar carcaças de animais num Mercado. “Bom tempo! Ganhava por carcaça, e alimentava-se de baguettes e leite. Tanto que eu gostava daquelas baguettes francesas!”
Mais tarde, irá transportar móveis, para se formar, com nota elevada, pela Universidade de Paris.
Depois teve um percurso universitário, que se prolongou para Portugal com o 25 de Abril.

Mas o que me surpreende, é o modo como ainda se refere ao tempo perdido no Seminário, aos conceitos que lhe incutiram sobre a mulher e o seu corpo, e ao seu espanto de saber de professores seus, homens de uma dignidade e postura exemplares, se manterem fiéis a Roma e aos seus dogmas.

E eu a ouvir na mesa do Café ao lado, antes dele chegar, que se pode mudar de mulher e de partido, mas de Clube é que nunca!

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