domingo, 5 de julho de 2009

Teatro do Absurdo: “O médico doente”


















Personagens
Dr. Chefe – chefe de Equipe
Dr. Não – médico da Urgência.
Dr. Talvez – médico da Triagem, recém formado.
Sra. Vítima – doente
Maqueiro

Cenário:
O ambiente reproduz um Serviço de Urgência num Hospital em Portugal, em inícios do século XXI.
A peça deve ser representada sem entreacto. Entre as cenas, o ruído do corredor deve intensificar-se, salientando-se, à vez, um tipo de conversa - um convite de um profissional para um encontro, o de um familiar a combinar um negócio, … raramente uma informação sobre a saúde de algum doente.
Antes de cada cena, respeitam-se 30 segundos de silêncio, em que os actores param, marcando assim o hiato de tempo.

Décors: Ao longo de todo o espectáculo o cenário não muda. Deve ser constituído por um corredor e duas salas de cada lado, só marcadas no chão e pelas portas. Os actores vestem-se de acordo com as profissões hospitalares.
Durante a representação o corredor deve estar cheio de macas, e com um constante vai vem de pessoas e profissionais, muitos deles falando ao telemóvel ou a clicar mensagens.

1ªActo

Cena 1
No corredor caminham em direcções opostas o Dr. Chefe e o maqueiro, que se encontram.

Maqueiro (discretamente, indicando uma jovem senhora chorosa, que está sentada com uma criança ao colo): Dr. Chefe, aquela senhora quer falar com o Chefe de Equipa. Pode atendê-la?
Dr. Chefe (após um momento de hesitação): Está bem! Pode ser já! Traga-a ao meu gabinete, por favor.

O maqueiro dirige-se à jovem e orienta-a para a porta do gabinete onde está o Dr. Chefe.

Dr. Chefe: Então que se passa?
Sra. Vítima (a tentar conter as lágrimas): Sr. Dr., eu tive um acidente quando entrava no autocarro à saída do Supermercado e magoei-me neste braço. Chamaram a ambulância e trouxeram-me para o Serviço de Urgência. Como vinha com o miúdo, tive de o trazer, porque vivo numa aldeia perto daqui.
Quando cheguei, fui logo atendida e pediram-me uma radiografia. Como estava há muito tempo à espera de ser chamada para lhe saber o resultado, bati naquela porta em frente, a perguntar se demorava muito. Mais por causa da criança que por mim!
Como ninguém respondeu, abri a porta e espreitei. Estava lá um doutor, que desatou aos gritos comigo, dizendo-me coisas que eu nunca pensei ouvir na vida.
Dr. Chefe: e isso foi há muito tempo?
Sra. Vítima: Foi para aí há 10 minutos! Eu quero fazer queixa dele.
Dr. Chefe: Aguarde um pouco que eu vou ouvir o que o médico tem a dizer.

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Cena 2
O Dr. Chefe sai do seu gabinete, atravessa o corredor e dirige-se à outra sala onde o Dr. Não está em frente do computador.

Dr. Chefe: Dá licença, Dr. Não.
Dr. Não: Faz favor, Dr. Chefe!
Dr. Chefe: Desculpe interrompê-lo, mas tenho ali uma senhora a queixar-se de que foi agredida verbalmente por ti, quando tentava indagar o porquê de tanta demora.
Dr. Não: (levantando-se e elevando a voz) – E depois? O que foi? Ela não foi observada por mim! O Dr. Sim foi operar e ela vai ter de esperar.
Dr. Chefe: Mas ela não se queixou da espera. Ela queixou-se dos teus modos para com ela!
Dr. Não: Tu és sempre assim! Mau colega! O que é que tu queres? Já te disse que não fui eu que a vi! Ela que espere!
Dr. Chefe: Já vi que não se pode falar contigo. Informo-te, no entanto, que a senhora pretende apresentar uma queixa, e que eu a apoio!
Dr. Não: Que apresente!

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Cena 3
No corredor, o Maqueiro procura o Dr. Chefe, para lhe dar uma notícia fora do comum.

Maqueiro: Dr. Chefe! O Dr. Não inscreveu-se como doente na Admissão, depois de discutir consigo!
Dr. Chefe: Obrigado! (e dá mais uns passos em direcção à admissão de doentes, quando surge o Dr. Não, com ar agressivo, e se lhe dirige).
Dr. Não: Quero que me vejas! Sabes, eu sou diabético e tenho a tensão alta, e depois de discutir contigo, fiquei indisposto!
Dr. Chefe: Lamento, mas tens de ir primeiro à Triagem de Manchester. Depois serás observado de acordo com a prioridade.
Dr. Não: Para a Triagem de Manchester?
Dr. Chefe: E exijo que te seja efectuada uma Triagem correcta.


2º Acto
Cena 1
O Dr. Talvez procura o Dr. Chefe no seu gabinete. Vem com ar pouco confiante.

Dr. Talvez: Dr. Chefe! O Dr. Não teve Amarelo e vai para a Triagem Geral. Vou ser eu a vê-lo. Que faço?
Dr. Chefe: Fazes o que tens a fazer! Se ele não tiver nada, dá-lhe alta de imediato. Se te parecer que ele pode ter qualquer coisa, pede exames auxiliares ou colaboração.

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Cena 2
O Dr. Não vem ao encontro do Dr. Chefe, desta vez mais calmo.

Dr. Não: Pediram-me umas análises! Posso esperar o resultado no serviço?
Dr. Chefe: Não! Tens de ficar no Serviço de Urgência, como todos os outros doentes, Não te vá dar qualquer coisa. Quando muito podes ficar no teu gabinete.

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Cena 3
O Dr. Não vem ao encontro do Dr. Chefe, desta vez ainda mais calmo.

Dr. Não: Deram-me alta! O que é que eu faço? Continuo a trabalhar ou vou para casa?
Dr. Chefe: Não sei! São quase 20:00h, o médico que te deu alta está quase a sair. É melhor ires perguntar-lhe se tens dúvidas.

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Cena 4
O Dr. Não vem ao encontro do Dr. Chefe.

Dr. Não: Continuo ao serviço!
Dr. Chefe: Óptimo!


Intensifica-se o ruído no corredor, com conversas sobre todos os assuntos entre os familiares acompanhantes, profissionais ao telemóvel e a clicar mensagens, como se todos estivessem no corredor de um Centro Comercial.
A Sra. Vítima, sai sorrateiramente pela porta, enquanto o pano desce.

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