Nessa altura, embora eu não fosse uma estampa, as doentes engraçavam com o jovem médico que por ali andava a fazer-lhes perguntas e a mexer-lhes no corpo à procura de solução para as suas aflições.
Eu sentia que a Odete gostava muito de mim. Deveria ter a minha idade ou um pouco mais, e transpirava ainda a beleza de uma juventude que lhe fugia a passos largos.
Conhecemo-nos num dos seus já muitos internamentos e, aos poucos, fomos juntando as pequenas histórias com que se faz uma amizade.
Era do conhecimento geral. “Oh Gomes, a Odete está na cama 22! Tens de ir lá vê-la, que ela já perguntou por ti mais de mil vezes!”, e eu lá ia fazer-lhe um carinho.
-“Tens de tossir Odete! Tens de deitar essa expectoração toda para fora. Não é só na Fisioterapia. Tens de te deitar nas posições que sabes e tossir, para ela sair! Sabes como são as bronquiectasias!” e, se tinha disponibilidade, ajudava-a com umas palmadinhas, até ela se cansar. Depois dizia-lhe uma graça e ia à vida mas, sempre que passava pela porta da enfermaria, atirava-lhe um sorriso para ela digerir.
No último ano, poucos foram os dias que passou em casa, sempre com infecções cada vez mais difíceis de debelar e, mesmo quando tinha alta, era com a certeza de que voltaria na mesma semana, para novo ciclo de exames, tratamentos, gestos e sorrisos com que sempre me presenteava, mesmo quando aflita, afugentava a morte que a rondava.
Numa noite de Urgência, logo à minha chegada, dizem-me: “A Odete está na Sala de Observações! Tens de ir vê-la, que ela a primeira coisa que fez, foi perguntar por ti! Olha que desta, ela não se safa!”, e eu ainda confiante: “Não! Ela já entrou assim tantas vezes e safou-se! Não vai ser desta!”.
Era do conhecimento geral. “Oh Gomes, a Odete está na cama 22! Tens de ir lá vê-la, que ela já perguntou por ti mais de mil vezes!”, e eu lá ia fazer-lhe um carinho.
-“Tens de tossir Odete! Tens de deitar essa expectoração toda para fora. Não é só na Fisioterapia. Tens de te deitar nas posições que sabes e tossir, para ela sair! Sabes como são as bronquiectasias!” e, se tinha disponibilidade, ajudava-a com umas palmadinhas, até ela se cansar. Depois dizia-lhe uma graça e ia à vida mas, sempre que passava pela porta da enfermaria, atirava-lhe um sorriso para ela digerir.
No último ano, poucos foram os dias que passou em casa, sempre com infecções cada vez mais difíceis de debelar e, mesmo quando tinha alta, era com a certeza de que voltaria na mesma semana, para novo ciclo de exames, tratamentos, gestos e sorrisos com que sempre me presenteava, mesmo quando aflita, afugentava a morte que a rondava.
Numa noite de Urgência, logo à minha chegada, dizem-me: “A Odete está na Sala de Observações! Tens de ir vê-la, que ela a primeira coisa que fez, foi perguntar por ti! Olha que desta, ela não se safa!”, e eu ainda confiante: “Não! Ela já entrou assim tantas vezes e safou-se! Não vai ser desta!”.
Visto-me, e ainda antes de receber o turno, empurro a porta de vai-vem da Sala de Observações e encontro-a sentada na cama, extenuada, cabeça pendente com a máscara de oxigénio desalinhada e tubos de soros por todos os lados.
Sentiu o movimento. Levantou a custo a cabeça enquanto tentava localizar a nova presença.
Sentiu o movimento. Levantou a custo a cabeça enquanto tentava localizar a nova presença.
Fixou-me e iluminou-se-lhe o rosto. Arregalou os olhos por curtos segundos, disse muito a custo: “Dr. Goooooomesssssss!”... , e sem conseguir suster a posição, todo o corpo lhe estremeceu, os ombros caíram ... e não voltou a inspirar.
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