A história foi-me assim contada e, pelo que conheço do principal interveniente, não vejo razão para dela duvidar.
Estávamos em finais da década de 1980, quando a SIDA era uma novidade.
-Tu não vais acreditar! O tipo levou o Ventura a uma sessão de esclarecimento sobre SIDA na Junta de Freguesia!
- Verdade? Mas ele conhecia-o?
-Sei lá! Deve ter tido acesso a alguma análise, que o Ventura só há meio ano é que anda por cá. Mas isso, sabes tu melhor que eu!
O Ventura foi dos primeiros doentes com o diagnóstico de SIDA que conheci. Quem o trouxe à Urgência foi uma cunhada que, logo de início, chamou a atenção para a doença. Tinha-lhe caído em casa doente e sem dinheiro, o que a levou a estranhar, pois sempre o vira desafogado, a irradiar saúde e com todo o mundo por conta. Ora em Moçambique, ora na Bélgica, mas a maior parte do tempo sem saber dele e, de repente, entra-lhe pela casa adentro como um mendigo, para espanto dos filhos pequenos que não o reconheciam como família. –“Oh! Sr. Dr., eu não o quero lá em casa! Veja se a Assistente Social lhe dá apoio, porque se o meu marido o receber outra vez, pego nas crianças e quem sai, sou eu! E isto é definitivo!”
Foi viver para casa da mãe para o lado de lá do rio. Depois falou-se de que escrevera ao Mário Soares a pedir dinheiro para criar uma “Associação dos doentes com SIDA no Alto Minho”, e que se teria abotoado com 1000 contos, que a associação … era ele! Mas adiante … . Vinha às consultas, cumpria a medicação e nunca foi mal educado. Também se disse que fora mercenário em Angola, que traficara droga na Bélgica, mas creio que eram rumores não fundamentados...
Mas conta lá essa acção de formação, que eu estou cheio de curiosidade, principalmente por ter sido promovida por um indivíduo que não era nem médico, nem enfermeiro.
- Bem! O Dr. Santão, era muito conhecido na sua freguesia. Era “um filho da terra”, pelo que não lhe foi difícil convencer o Presidente da Junta a fazer uma sessão de esclarecimento, sobre uma doença nova que andava nas bocas do mundo. Era até meritório que as forças vivas da comunidade facilitassem o entendimento da doença e alertassem para os comportamentos de risco que lhe estavam associados.
Mas o homem não fez por menos, e convidou o Ventura para ficar no meio da assistência. Falou do que sabia e do que não sabia e, no fim, num clímax de oratória, virou-se para o público e disse: “Nestas circunstâncias, é possível que nesta sala possa até haver alguém com SIDA. Que o saiba ou não!”. Aguardou que um longo silêncio despertasse olhares inquiridores, e numa estocada final, perguntou alto e bom som: “Há alguém nesta sala que tenha SIDA?” e, enquanto os ouvintes se mediam com o olhar, o Ventura, estrategicamente colocado no meio da assistência, levanta-se e anuncia solenemente a sua condição: “Eu tenho!”
Depois, nem queiras saber! Aquela malta, dividida entre a consideração que tinha pelo Dr. Santão, e o temor atávico pelo desconhecido, abriu uma clareira em volta do Ventura que, angelicamente, assumira a candura de uma virgem. Vai daí o Dr. Santão desceu do palco e cumprimentou-o efusivamente, como se o homem tivesse chegado de outro planeta.
Consta que houve gente que chorou!
Estávamos em finais da década de 1980, quando a SIDA era uma novidade.
-Tu não vais acreditar! O tipo levou o Ventura a uma sessão de esclarecimento sobre SIDA na Junta de Freguesia!
- Verdade? Mas ele conhecia-o?
-Sei lá! Deve ter tido acesso a alguma análise, que o Ventura só há meio ano é que anda por cá. Mas isso, sabes tu melhor que eu!
O Ventura foi dos primeiros doentes com o diagnóstico de SIDA que conheci. Quem o trouxe à Urgência foi uma cunhada que, logo de início, chamou a atenção para a doença. Tinha-lhe caído em casa doente e sem dinheiro, o que a levou a estranhar, pois sempre o vira desafogado, a irradiar saúde e com todo o mundo por conta. Ora em Moçambique, ora na Bélgica, mas a maior parte do tempo sem saber dele e, de repente, entra-lhe pela casa adentro como um mendigo, para espanto dos filhos pequenos que não o reconheciam como família. –“Oh! Sr. Dr., eu não o quero lá em casa! Veja se a Assistente Social lhe dá apoio, porque se o meu marido o receber outra vez, pego nas crianças e quem sai, sou eu! E isto é definitivo!”
Foi viver para casa da mãe para o lado de lá do rio. Depois falou-se de que escrevera ao Mário Soares a pedir dinheiro para criar uma “Associação dos doentes com SIDA no Alto Minho”, e que se teria abotoado com 1000 contos, que a associação … era ele! Mas adiante … . Vinha às consultas, cumpria a medicação e nunca foi mal educado. Também se disse que fora mercenário em Angola, que traficara droga na Bélgica, mas creio que eram rumores não fundamentados...
Mas conta lá essa acção de formação, que eu estou cheio de curiosidade, principalmente por ter sido promovida por um indivíduo que não era nem médico, nem enfermeiro.
- Bem! O Dr. Santão, era muito conhecido na sua freguesia. Era “um filho da terra”, pelo que não lhe foi difícil convencer o Presidente da Junta a fazer uma sessão de esclarecimento, sobre uma doença nova que andava nas bocas do mundo. Era até meritório que as forças vivas da comunidade facilitassem o entendimento da doença e alertassem para os comportamentos de risco que lhe estavam associados.
Mas o homem não fez por menos, e convidou o Ventura para ficar no meio da assistência. Falou do que sabia e do que não sabia e, no fim, num clímax de oratória, virou-se para o público e disse: “Nestas circunstâncias, é possível que nesta sala possa até haver alguém com SIDA. Que o saiba ou não!”. Aguardou que um longo silêncio despertasse olhares inquiridores, e numa estocada final, perguntou alto e bom som: “Há alguém nesta sala que tenha SIDA?” e, enquanto os ouvintes se mediam com o olhar, o Ventura, estrategicamente colocado no meio da assistência, levanta-se e anuncia solenemente a sua condição: “Eu tenho!”
Depois, nem queiras saber! Aquela malta, dividida entre a consideração que tinha pelo Dr. Santão, e o temor atávico pelo desconhecido, abriu uma clareira em volta do Ventura que, angelicamente, assumira a candura de uma virgem. Vai daí o Dr. Santão desceu do palco e cumprimentou-o efusivamente, como se o homem tivesse chegado de outro planeta.
Consta que houve gente que chorou!
Sem comentários:
Enviar um comentário