Tem 52 anos e é um paradigma da agricultura do nosso país.
Nasceu pobre. Aos 13 anos foi servir para casa de uns vizinhos agricultores. Um casal sem filhos, que a fizeram herdeira, juntamente com a irmã, 10 anos mais velha, que também lá trabalhava. Terras de lavradio, vinha, olivais, mato e floresta. Só em redor da casa mais de 9.000 m2, duas grandes pias em pedra e a prensa ali à beira.
“-Tudo com séculos de trabalho, ainda visível nas presas de água para regar o milho, que davam para regar quatro horas seguidas, com condutas em cantaria que vêm mais de mil metros por uma costeira abaixo, sem caminho, feitas pelos antigos, carregando-as sei lá como.”
“-Vendíamos batatas, azeite, leite, milho ... . Tínhamos três touros e quatro vacas, porcos, galinhas e patos. Fazíamos tudo com os bois, o sacho e a ajuda dos vizinhos, sempre que íamos às apanhadas de mato para os animais, às rapadas da azeitona, sachar o milho, às vindimadas, nas esfolhadas do milho e na matança do porco. Houve anos que matámos três. Depois fazíamos chouriços e vendíamos.
Aquilo era uma união. Nessa altura, no lugar, éramos mais de 300. Quando íamos trabalhar com os vizinhos era sempre uma festa. Fazia-se pão, abria-se vinho, cozíamos três chouriços, ia-se buscar um naco de porco à salgadeira e cantávamos e dançávamos até às tantas. Agora se chamasse alguém para ajudar tinha de ter febras, filetes e panados.
Hoje no lugar nem 50 somos. Cada casa tem uma ou duas pessoas e nem uma dúzia ainda trabalha os campos. Destes novos ninguém vai aos terrenos. A minha irmã morreu em Outubro do ano passado, de um pulmão, e deixou-me sozinha. Os meus dois irmãos foram para França.
Se os que estão debaixo do chão saíssem cá para fora, nem sei o que pensariam."
"-Sabe Dr., eu nunca fui apaixonada por me casar. A minha gente sempre me compreendeu, que eu sou muito geniosa. Se digo que é para ali, não quero que me contrariem, e quando se tem um marido, tem de se andar ao jeito dele.
Chegávamos a apanhar mais de 500 Kg de nozes e fazíamos 500 litros de azeite. Depois começaram a dizer que o nosso azeite era muito espesso ... .Vendíamos mais de 30 litros de leite por dia, mas quando o posto de recolha fechou, tivemos de vender o gado e a minha sobrinha foi-se embora para trabalhar numa fábrica. Fiquei só com a minha irmã, que era mãe solteira. A rapariga casou com 17 anos, e passou a vir ao fim de semana com o marido, que é um rapaz muito trabalhador. Mas o homem tem de fazer pela vida. Trabalha numa empresa de construção. Agora anda pelos Açores. Houve alturas que esteve por Angola. Foi ele que, há 17 anos, comprou um tractor e uma fresa em segunda mão.
Agora, desde que foi operada a duas hérnias que tinha na coluna, até ela pouca ajuda dá."
"-Mas olhe que, há dois anos, ainda fiz 180 litros de azeite, sozinha. A oliveira estava carregada que parecia um chorão.
Eu era como um ferro. Não sei como é que me apareceu isto. Foi como um tiro.
Nessa altura, eu tinha a minha irmã doente. Andava nos campos e ainda vinha a casa fazer-lhe o comer, que a doença quebrava-a muito.
Nós éramos a força daquilo tudo. Olhe que eu ainda agora cozo o pão à moda antiga. Quando para aqui vim deixei pão no forno."
"-Veja no que se tornou o mundo. Uma tristeza. Nos campos é silvas e codeço e o javali a comer o pouco que a gente cultiva. "
"-Agora estou um caco. A minha sobrinha quer que eu venha para o pé dela. Mas o que é que eu vinha fazer para a cidade. Não me dou. Fico melhor lá na terra. Fecho os portões e o cão toma conta da noite. Ali apanho uma manada de ameixas, umas vagens fresquinhas ...
1 comentário:
muito bonito, este texto...
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