sexta-feira, 30 de julho de 2010

Mal-amadas



Helena tem 24 anos, não é especialmente bonita, mas é elegante, e se lhe puséssemos um sorriso e umas roupas coloridas, faria virar muita cabeça. Aos 19 teve uma paixão não correspondida. Desde então, a cada contratempo, agride-se. Esta é décima sexta vinda ao Serviço de Urgência. Uma foi para admissão para um parto.
–“Mas era filho desse teu namorado?”.
Não era! É de um rapaz que conheceu quando esteve internada na Psiquiatria. Depois da alta foi viver para casa dele, mas ele também tem problemas, e acabaram por se separar.
–“E desta vez, o que foi?”
–“É que eu ando a ajudar um rapaz com toxicodependência, e a minha mãe diz que ele é um poço de doenças, e não me deixa ir ter com ele!”
...
-“Então dona Fernanda, como foi esse desmaio?”
-“ Sr. Dr.! Eu estava no velório da minha irmã, e passou-me qualquer coisa pela cabeça e caí. Agora estou bem!”
-“Está acompanhada?”
-“Não! Eu não sou de cá. Vim só ao funeral dela!”
-“É casada?”
-“Sou divorciada! Tenho dois filhos. Digo, um filho e um enteado, mas quero-lhe tanto como ao meu filho!”
-“Conte lá isso, se não for segredo!”
-“Eu soube que o meu marido tinha outra, por causa do filho. Ela não o queria, e eu fiquei com ele. Depois, divorciei-me! O mais velho é polícia, e o mais novo está a acabar o curso de gestão. Gosto igual dos dois. O que seria a minha vida sem eles!”
-“Dona Fernanda! A senhora, que é uma mulher a sério, como é que deixou que um bocadinho de calor a deitasse ao chão? …
...
Tem 23 anos, está grávida de 33 semanas, e chora porque o companheiro a abandonou. Está desempregada e tem o encargo do empréstimo para a casa. -"Ele tem trabalhos temporários, e a meio do mês já não tinha dinheiro. Ainda em Março, ele chorava a dizer que me amava, a pedir para eu o aceitar, depois de não aparecer durante 15 dias. Mas nem uma semana depois, deixou de se interessar por mim. Entrava na cama, e virava-me o rabo. Deve ser por eu ter agora o corpo assim. Ele dizia que queria este filho. E eu queria-o tanto!”.
...
Tem 44 anos e uma asma que diariamente se faz lembrada.
-“Sr. Dr.!. Eu até estava bem! Mas veio-me aquela opressão no peito, e tive que vir!”.
Veio só. Está divorciada.
–“Ele disse que eu ia ficar bem, mas quando dei por mim, tinha levantado o dinheiro quase todo dos Bancos! Fiquei com a casa e com os filhos! Há 2 anos que ando nisto, a tentar chegar a tudo. Ao emprego, à casa, aos filhos! O que me vale é o meu pai, que me vai ajudando lá de longe. Sabe Dr., a minha família é de Lisboa! E este mau hábito de fumar, também não ajuda! O ECG está bem? Posso ir embora? …”

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